Sunday, September 24, 2006



Jack - o amigo certo...

PELO RABO (NÃO) SE CONHECE UM CÃO.

Fim de tarde de Agosto sufocante. Corre uma leve brisa que empresta um colorido alternado às folhas de algumas árvores e refresca um pouco a alma dos caminhantes. Ao longe, o calor que emana da terra lança aleatoriamente nuvens de poeira no ar.
Passeio com o meu cachorro Jack por uma azinhaga dos arredores da cidade, que do local tem vista magnífica, ele a alegria em cão estampada no focinho e nas patas, que se desdobram em intensas correrias para calejar os músculos.
Aproveito também para desentorpecer as pernas ao mesmo tempo que nos vamos familiarizando com a linguagem um do outro – o que nos torna cada dia mais íntimos – indiferentes a algumas variantes genéticas que o determinaram a ele cão e a mim humano.
O Jack apresentou-se pela mão da minha filha, com uns imberbes dez dias e ainda de olhos fechados.
A pequena fechou-se no quarto na dúvida da minha reacção, pois sabia a carga de trabalhos que trouxera para casa.
Íamos mudar-nos para uma habitação com quintal e um cão seria bem vindo, para guardar claro está, a troco de um prato de sopas diário e água à descrição.
Puro engano. O Jack chegou em estado de ser guardado em confortável alcofinha e ser alimentado a biberão com leite especial para cachorrinhos, por vezes a altas horas da noite, ao sabor do seu relógio biológico.
Hoje que já nos vamos percebendo, “ladrou-me que até acha piada ter sido criado por um humano”. Coitado do cachorro, quando abriu os olhos os primeiros contornos deste mundo que vislumbrou foram o meu nariz e o biberão por onde o alimentava.
Um vizinho que nos viu chegar engraçou imediatamente com o pequeno Jack. Quando há dias nos cumprimentámos, já idos quatro meses de vizinhança, perguntou-me se o cão grande não fazia mal ao cão pequeno?! É que, de repente, o Jack cresceu vertiginosamente.
Uma das curiosidades da família tem sido aguardar o dia em que o Jack comece a fazer “chi chi” à cão adulto – rimo-nos quando o faz como se fosse uma cadela, e ele fica com focinho de não achar piada.
Observei-o há dias, precisamente quando fazia seis meses, pela primeira vez a exercitar com muita satisfação a actividade fisiológica de urinar com a perna alçada na minha canela.
O “safado mijou-me” para cima do sapato e depois olhou caninamente, deixando-me perceber a intenção: “és o maior dono do mundo e como prova da minha grande amizade ofereço-te a primeira mijadela que faço de perna alçada”.
Num desses passeios fora de horas, pela azinhaga, cruzámo-nos com um cigano que se mostrou muito interessado no Jack.
O cão fixou-o de pálpebras semicerradas e, pela primeira vez, rosnou. Depois de um leve puxão na trela sentou-se encostado à minha perna.
O cigano – a curiosidade em pessoa – logo inquiriu: «atã o canito é sê senhori?»
-Ó amigo cigano, que não sei o seu nome, quer ver que é seu? -contestei-lhe com à vontade e humor; ando a passear com um cão que tem na coleira uma chapa de registo, que trago preso por uma trela, e você pergunta se é meu! Homessa!
O Jack rosnou pela segunda vez, mais forte, mostrando que algo não lhe estava a agradar. Fiz sinal para que se acalmasse.
O cigano – continuava incógnito – apressou-se em mil desculpas: «nã lev´a mal senhori; -é qu’ando à procura dum canito que me fugiu, même igual a essi; nunca vi même nada tã iguali; se calhar sã gémos e a gente nã sabi!»
-Olhe, sinto muito que tenha perdido o seu cão. Eu se perdesse este também teria grande desgosto..., disse-lhe em tom consolador e resignado; agora essa deles serem assim tão iguais, e gémeos, não foi o que disse?; acho que está a exagerar, ou a ver mal! -rematei já meio irritado com a conversa, ou melhor, com a lata do cigano – ainda incógnito.
«Ai senhôri, nã pense mal de mim por amô Dês, é qu’eles sã même igualitos, igualitos» -insistia.
-Vejo que você está mesmo convencido e irá ficar na dúvida, -condescendi em tom disfarsadamente irónico; para que o amigo cigano – sempre incógnito – se convença que este não é o seu cão...; aqui o Jack deu um valente esticão e ladrou perigosamente na sua direcção, fazendo o homem dar um salto acrobático à retaguarda; logo de seguida colou-se de novo à minha perna, com ar seguro.
Continuei: para que desfaça a dúvida que lhe surgiu sobre o cão, que diz ser igualzinho ao seu, vamos fazer uma experiência, que com certeza o convencerá; tão simples quanto isto…, vou soltá-lo e cada um de nós vai para seu lado da azinhaga; a quem o cão acompanhar…, esse…, será o verdadeiro dono...; agora a ironia era descarada!
O cigano – nunca lhe soube o nome – apressou-se a exclamar com tónica de grande convencimento: «nã precisa soltari o animali, nã senhori, même agora vi qu’ este nã é o mê canito; atã se logo tenho olhado pr’a eli de trasêra…, logo tinha visto que nã er’ó mê canito; ond’ elis sã defrentes é no rabo, qu’ este tem um rabo maiori.»
O cigano, num ápice, desapareceu sem deixar rasto.
Dono e cachorro continuaram a caminhada, o Jack abanando aquele belo rabo que já o distingue de qualquer outro cão.

AC






1 comment:

Anonymous said...

O Jack é um belo animal.