Tuesday, May 01, 2007

O Primeiro 1º de Maio


Recordo que estava calor e uma luminosidade deslumbrante…
Ouvia-se a canção do Zeca Afonso: «Maio, maduro Maio, quem te pintou…»
O fim de Abril anticipara Maio. A onda popular, sedenta de liberdade, arrastara os militares para o seu lado.
AC

Naqueles dias que se seguiram à onda avassaladora da revolução popular, passeávamos pelas ruas da Cidade, de manifestação em manifestação, apoiando e encorajando o MFA. O clímax desses dias, que passaram velozmente, tão cheios de peripécias e acontecimentos inesquecíveis eles foram, aconteceu no primeiro 1º de Maio.
Na véspera desse dia, uns tipos, que ninguém vira antes na cantina da Faculdade, apareceram por lá dizendo que pertenciam ao MRPP, movimento revolucionário verdadeiramente representativo dos camponeses e da classe operária, ao lado de quem os estudantes se deviam imediatamente colocar, juntando-se em massa na festa do 1º de Maio, dia de luta e regozijo de todos os que queriam estar sempre..., sempre ao lado do povo...
O sujeito que falava usava um bigode farfalhudo, o que me fez imediatamente associá-lo a um dos quatro camaradas afixados por tudo quanto era parede e recanto das Faculdades.
Era um fim de tarde apetecível, pulverizada de perfumes primaveris, quando me juntei ao Custódio e ao Baltazar à hora do jantar, na esplanada improvisada que os estudantes montavam à entrada da cantina da Faculdade de Ciências.
Depois de me sentar junto deles, o Baltazar – o que dominava melhor os assuntos políticos do momento – pôs o mote na conversa.
«Consta que amanhã haverá uma grande manifestação..., o MFA declarou o dia feriado...».
O Custódio riu-se para mim, à socapa, e depois argumentou com o Baltazar: «ó senhor engenheiro, feriados não deixas escapar um..., e mais um que fosse..., pois a boa vida não cansa, nem pesa...».
«Mas amanhã é mesmo o dia do trabalhador..., e dia do trabalho...», disse o Baltazar, ao mesmo tempo que encolhia os ombros com ar de irritação, «só na merda deste país era proibido festejá-lo!».
Acabámos de comer. A conversa ficou por ali, pois um grupo de colegas do género feminino, que se acomodara por perto, absorveu inteiramente a atenção do nosso amigo Baltazar.
Dei comigo a bocejar por várias vezes, morto de cansaço, de quatro ou cinco noites mal dormidas pela azáfama daquelas primeiras horas de liberdade. Anunciei que me retirava em direcção a casa. O Custódio, piscando-me o olho, ainda tentou aliciar-me: «não vás Luís..., que a noite promete...».
Prometi a mim próprio ir descansar..., «dormir uma noite como deve ser...». Arrumei as minhas coisas e fui-me encaminhando para o portão da Faculdade. Um deles gritou: «todos à Manif do 1º de Maio!»
Desci a Rua do Salitre numa correria desenfreada, pois deixara-me dormir até manhã adiantada. O som dos meus passos foi-se misturando com um ruído de fundo, compacto, que subia a rua até me atingir os tímpanos e ao mesmo tempo aumentava de intensidade com a minha deslocação. Interroguei-me, tentando adivinhar o que seria, mas nesse instante fui envolvido por um mar de gente que inundava a Avenida da Liberdade.
Nunca tinha assistido a nada igual! Uma gigantesca onda humana enxameava por toda a avenida, que ficara aguarelada com a cor dos cravos vermelhos que cada um tinha na mão.
A Revolução adoptara, definitivamente, o símbolo das flores.