Tuesday, August 13, 2013


 

O caso do submarino amarelo

 

 

De como Sua Excelência o Vice PM Dantas Paulus deu uma má notícia

AR, ano de 3013, 5ª feira, 23 de Feverónio

 

O senhor ministro de Estado e Vice PM Dantas Paulus foi chamado ao Parlatório para dar explicações à Câmara sobre o desaparecimento da jóia da armada: o submarino amarelo.
Sua Excelência apresentou-se aos deputados da Nação vestido de luto carregado, de ar consternado mas com muita coragem para enfrentar o drama.
Após os cumprimentos de protocolo, com vénias e sub-vénias, a Presidenta da AR decretou cinco minutos de silêncio, durante os quais os deputados do GR (grupo radical) aproveitaram para abandonar o hemi-círculo, pois «não estavam para aturar fantochadas», disse João Sem Medo aos órgãos da comunicação social.

 
«Srs. Deputados da Nação…, percebia-se na voz de Sua Excelência a comoção à flor da pele…,  cumpre-me informá-los da triste notícia que veio até nós do mar de Al-Kêva e que está a deixar desesperado o país…, umh umh umh…,  pigarreou o distinto personagem, enquanto se socorria de um lenço branco para aliviar o suor das frontes, da face e do queixo…, isto é, o ministério da guerra, o das finanças e o tribunal de contados.
O submarino amarelo está em parte incerta, ou não está, ou seja, desaparecido, não dando sinal de vida desde domingo passado…, temendo o governo que o pior cenário possa ter acontecido…
Como V. Exas. Todas sabem, o mar de Al-Kêva é um mar muito agitado, cheio de escolhos e engulhos, tornando a navegação por vezes problemática, com tempestuosidades de grau 9 na escala de Neptuno. Outros perigos por lá espreitam os marinheiros, mesmo de modernas e bem equipadas embarcações como o submarino amarelo…, estou a referir-me muito concretamente ao terrível e medonho monstro de Al-Kêva, também conhecido como monstro do Great Lake, ou monstro de Locsete, e à fossa Barranquenha com uma profundidade que reside no segredo dos deuses que habitam os fundos marinhos, onde qualquer navio que inadvertidamente se aproxime será sugado para nunca mais ser visto.
Com a embalagem que tomara a comunicação do Vice PM Dantas Paulus aos deputados da Nação, ele próprio deitara o olho para a bancada da oposição, questionando para si o estranho ambiente ledo e calmo com que parecia amansado o POR (partido da oposição republicana).
Eis senão quando, o chefe da bancada do dito partido interrompe Sua Excelência com um tremendo “murrásio” (vernáculo de pedir licença para interpelar alguém) na bancada propriamente dita de pau santo, o que desde logo assustou e interrompeu o douto orador, gritando a vivíssima voz: «o senhor Vice PM Dantas Paulus é um aldrabão compulsivo e descarado…, uma excrescência governativa…, o senhor esconde o submarino amarelo para as suas viagens de recreio e utiliza a mentira pérfida do seu afundamento como estratagema para enganar o país…». O senhor deputado Zorzinho estava à beira de uma apoplexia com o alarido que despoletara no Parlatório, ao ponto de a senhora Presidenta o admoestar sobre a linguagem que utilizara para se dirigir ao senhor ministro de Estado e Vice PM Dantas Paulus – «vosssa sssenhoria ressspeite a sssua cassa».
No éter fez-se silêncio…, um silêncio com cheiro a guerrilhas intestinas…, a negociatas chorudas e a CONTRAPARTIDAS pagas pelo Zé povo.
Sua Excelência também precisara daqueles minutos em que fora zurzido pelo deputado Zorzinho para pigarrear de novo, beber dois goles de água com sumo de limão, que lhe cortava o mau hálito do tabaco, e ainda limpar as frontes,  face e queixo com o lencinho branco.
«umh umh umh… O submersível…, continuou com voz de falsete…, era comandado pelo mais alto posto do nosso almirantado, o almirante de mar e guerra Vítor Caspar, profissional com as máximas condecorações do Estado e seu imediato comodoro Álvaro Santinho Parreira, ambos abnegados patriotas. Muito mais do que a perda do sofisticado material em causa, são estes dois camaradas o cerne da nossa preocupação…, não sei mesmo se a Nação suportará a sua perda… embora ainda espere, a todo o momento, uma boa notícia… a esperança, em mim, será a última a morrer.
O deputado Zorzinho não se conteve e balbuciou para o deputado Segura: «tu olha-me bem para este patife… já não o posso ouvir… ainda hoje lhe parto os costados».
Calma homem… no stress… se ele perdeu o submarino amarelo, com aqueles dois pacóvios lá dentro, amanhã também perde as eleições, isso  te (a)Seguro eu… ou não me chame Segura.
Zorzinho abanou a cabeça três vezes e suspirou meia dúzia de palavras que só ele ouviu: contigo também não há pachorra… meu…

 

 AC

(a má notícia tem seguimento com a boa notícia, isto se o Oráculo não for torpedeado e afundado em doca seca, como já esteve mais longe de acontecer).

 


 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

DE COMO O BISPO DE PORTUGAL AJUDOU NA CONTENÇÃO DOS TRÊS ESTANDARTES

 
O Senhor Presidente é um homem de muita fé. Só assim se explica porque impôs um acordo aos três Estandartes.

 
Anoitecera com uma trovoada medonha que fustigava, principalmente, a zona do palácio episcopal e D. Emanuel refugiara-se na sua capela privada, pois nessa noite sentia-se mais seguro perto do Senhor.
Ainda assim, o ferrolho da grande porta de madeira exótica fora accionado várias vezes, denotando pressa, ou ansiedade, ou aflição, de quem batera. Pudera, com uma noite como a que se desenvolvia, mais parecia andar o diabo à solta e, quem quer que fosse, estaria completamente encharcado.
D. Emanuel foi interrompido nas suas orações, para que a tormenta se fosse dali tão rápida quanto tinha vindo, pelo seu chefe de sacristia (o equivalente a chefe de gabinete de suas excelências os membros do Estado).
-Sua eminência dá-me licença que interrompa as suas orações… …apre que esta caiu no nosso pára-raios, apressou-se a dizer o chefe de sacristia, ao mesmo tempo que todo o edifício vibrava com o estrondo.
«Ó Salvador… há quantos dias cheguei a esta casa?».
Salvador fez aquela cara de menino apanhado a mexer nos chocolates: -pois é…, sua eminência…
«Deixe de me chamar sua eminência de uma vez por todas…, nas cerimónias litúrgicas e oficiais que seja… mas aqui dentro não… aqui dentro sou Emanuel…, entendeu de vez?!
-Entendi sim… …sua eminência…
«OK…, e o que há a esta hora da noite?…, o dia foi calmo e pacífico…, tirando aquela notícia dos juros a galoparem outras vez, enquanto os trastes brincam à política», perguntou D. Emanuel, denotando enfado e saturação com a casmurrice de Salvador, cónego e seu chefe de sacristia no episcopado.
-Chegou um correio do palácio do Senhor DeBolikeime, com uma mensagem urgente para sua eminênc… …para o Senhor D. Emanuel.
«Dê cá Salvador… … e pode retirar-se… boa noite».
Salvador, um coscuvilheiro nato, como há em todas as instituições…, até na Igreja Católica… … imaginem…, moveu-se em passo de caracol, não tirando os olhos de cima do envelope que entregara a D. Emanuel, na esperança deste o abrir e ele conseguir bispar alguma letra…, uma frase…, que lhe desse uma pista, um elo, para deduzir todo o conteúdo da missiva.
Assim vendia notícias esfrangalhadas o cónego Salvador, um amante de bens imóveis… e do vil metal… …sobretudo, gerando por vezes grande confusão nos media, com a desinformação que enviava para os mesmos umas horas depois.
Mas D. Emanuel não lhe deu chance e repetiu com acento tónico: «boa noite… … Salvador!».

 
A Mensagem

 Assim rezava a mensagem

Sabe-me sua Eminência  profundo cristão, assim como minha mulher Maria DeBolikeime, que muito apreciou a vossa nomeação e vinda para a capital…, em boa hora…, espero ter em vós um conselheiro e aliado fora dos canais políticos.
As trapalhices que o meu governo arranjou nas últimas semanas tiram-me o sono, passo o dia com enxaquecas só de pensar que tenho de continuar a receber o chefe do partido do Centro Social, D. Paulus, discípulo de Maquiavel…, bem pode sua Eminência ajuizar o sofrimento que me atinge o espírito…, isto é…, a alma, ao reunir e estar cara a cara com uma erva daninha.
D. Emanuel ia pensando, para si: «mas o que é que eu tenho a ver com as enxaquecas deste gajo…, … e porque não correu já com essa tropa fandanga…».
Continuava a mensagem: quanto ao mais, diz o ditado, um mal nunca vem só, e acontece que dois aviões de guerra de país desconhecido, sobrevoaram em voos rasantes as Selvagens, ilhas nossas muito amadas, onde me vou imediatamente deslocar, para morrer, caso seja necessário, pela integridade do território nacional e protecção das cagarras. Minha esposa, mulher valente que é, deve acompanhar-me…, como sempre faz para todo o lado onde vou.
Peço, pois, a sua Eminência que me receba ainda esta madrugada tempestuosa…, a partida da missão é muito cedo…, para me ungir com o sacramento da extrema-unção, assim como à restante comitiva, toda ela composta por fervorosos cristãos.
Pedindo a vossa douta atenção, e abnegado patriotismo, ainda ouso ocupar a ilustre e bem pensante cabeça de sua Eminência com outro grave problema que tenho entre mãos e para o qual peço a inestimável ajuda do episcopado, dado que não confio em mais ninguém, que não em sua Eminência. Decorrem as Tercerias da capital entre os estandartes da S. Caetano à Lapa, do Caldas e  do Rato.
«Tercerias…, onde é que eu já ouvi isto» – comentou para si D. Emanuel
Estando o nosso país como está, mais para lá do que para cá…, os rapazes do meu governo andam a brincar ao gato e ao rato, enquanto o povo vai passando ainda mais fome por causa da insensatez e intriga das demissões e das irrevogáveis folhas de papel “à quatro”.
Consegui juntá-los, nessas Tercerias, com os do Largo do Rato, o que eu julgava missão impossível. Mas já percebi que é mais do mesmo, andando todos a ver quem mais engana os seus contrários.
Sobretudo…, deve sua Eminência ter muito cuidado com esse tal D. Paulus que ao pequeno-almoço afirma não gostar de queijo e ao jantar bate meio quilo do Limiano.
D. Emanuel deu uma sonora gargalhada e disse – «chamem-lhe parvo…, só gosta do que é bom!».

 

Epílogo

De manhã veio a bonança e o cónego Salvador ainda tentou tirar nabos da púcara, enquanto tomava o café matinal com D. Emanuel, que lhe respondeu: «senhor cónego…, temos que acertar as contas dos bancos do episcopado…, porque a mim não me batem certas».

AC


 

 
 
De Como O Senhor DeBolikeime Enfrentou Os Três Estandartes

 

 

 
 
 
 
 
 
Quem vai à guerra dá e leva. Tem que ter em conta o ditado quem se mete nelas. Pensar que o adversário tem esquemas tácticos melhores que os nossos…, que as suas armas são mais sofisticadas…, ajuda-nos a pensar em mil e uma maneiras de ultrapassar os seus pontos fortes, descortinando também alguns pontos fracos…, para o levar de vencida.
Se ao contrário procedermos, descurando o opositor que temos pela frente, é avisado tomarmos a extrema-unção (só para os casos em que se é bom cristão) e deixar em ordem as disposições legais, antes de se iniciar a luta.

 
No Palácio está reunido o staff do Senhor DeBolikeime, quer os homens da casa civil, quer os da casa militar, sob a coordenação do chanceler Nuno Libertino.
«A hora é de grande constrangimento, abnegação e patriotismo, pois nunca antes o país esteve tão perto de perder a sua independência, pela mão de um traidor, um vendilhão da Pátria aos interesses dos Merkados…, esse tal D. Paulus». Assim se dirigiu aos seus homens o Senhor DeBolikeime.
E continuou:
«Na grave crise de 1385 foi fácil: cortaram-se as goelas ao Andeiro e a seguir, em Aljubarrota, desbaratou-se o exército de D. João de Castela e queimaram-se os castelhanos apanhados na fuga.
Em 1640 foi o que se viu: fartos da Filipoika, defenestrámos num ápice o Vasconcellos e com porrada da grossa acompanhámos os espanhóis até à fronteira.
Os franceses também tentaram uma françoika  por três vezes e por três vezes regressaram a Paris de França com os fundilhos das calças rasgados por cães raivosos.
Depois têm-se sucedido: vigaristas, vadios, e também jacobinos…,  e cristãos novos…, e cristãos velhos, todos se digladiando num triste espectáculo de se ver quem mais fazia cogulo… enfim… …uns corridos…, outros foragidos…, e apenas um preso – um tal Cesaltino E Morais…, lembram-se…, foi precisa uma grua para o pôr atrás das grades. E…, infelizmente…, gente da nossa…
Mas hoje esse tal D. Paulus, paladino do embuste e da maquiavelice, foi longe de mais ao rebaixar-me diante do país inteiro… e essa não lhe vou perdoar!».
Sua Excelência estava consumido, encharcando lenços e lenços que sua bondosa esposa ia passando ora pelas frontes, ora pelo rosto, ora pelas mãos, para manter o amado esposo confortável.
O seu olhar, encovado pela afronta, procurou o do seu Chanceler: «então diga-me, meu Chanceler, que planos temos para castigar o atrevimento…, atrevimento é pouco…, a traição…, que é o que é…, desse tal D. Paulus?».
O Chanceler do Estado era um homem atarracado (sem pescoço, baixo e largo) e estava mortinho por deitar a mão a D. Paulus para um ajuste de contas que se vinham somando desde os tempos do “Incandescente”, um pasquim de intriga, coscuvilhice e maledicência, que ardera de motu próprio mas que deixara feridas profundas por sarar.
-Assim é Senhor… – respondeu Nuno Libertino – temos…, à cautela com a raposa manhosa, três planos para “suspender” a D. Paulus, a saber: a cavalaria para o esmagar…, os arqueiros para o crivar… e os lanceiros para o trespassar… – o Chanceler marcou cada palavra com um tom de entusiasmado ódio. E dando risadas de hiena com fome de há três quinze dias, rematou – é o que chamam, em linguagem popularucha, “um três em um”.
«Nada disso homem…, nada disso…; o que diria o país inteiro se esquartejássemos a peça…, até o Segurra ia caminho do Caldas chorar lágrimas de crocodilo. Nada disso…, nada disso…» voltou a repetir Sua Excelência já exasperado, dando um valente murro na “mesa redonda” onde estava reunido o estado maior da tropa presidencial.
«Vamos apanhá-lo de ceroilas na mão…, vesti-lo de cima abaixo de um vexame dos grandes…, que dele se há-de lembrar até depois de morto… – ao olhar do Senhor DeBoliKeime assomou um breve sorriso maléfico – … ó Nuno…, foi esse “passarão”…, esse Judas Iscariotes…, que entregou o caso do Elvas aos media, apenas por despeito e ciumeira doentia…, porque era o outro que coordenava a “pasta” política do governo..., como você sabe o nosso PM sem o Elvas é como peixe sem água…  Isto que lhe estou a dizer está debaixo de grande sigilo…, para não agitar mais o mar…, pois a tempestade pode provocar mais náufragos». Sua Excelência falava em surdina, pois, tempos atrás, os seus apertados serviços de segurança (SS) tinham descoberto microfones de escuta em pontos estratégicos do Palácio. «Não é que eu concorde com essas licenciaturas meteoríticas em que alguns dos nossos se montaram…, mas há limites da decência e camaradagem governativa que não devem ser ultrapassados. Concorda comigo…, não concorda… óóó Nuno Libertino!?». Fez-se um breve e profundo silêncio entre Sua Excelência e o seu Chanceler do Estado que valeu mais do que mil palavras ditas a fio durante uma hora.
Depois Nuno Libertino disse: – com certeza Senhor…, certamente Senhor…, que concordo.
«Então se concorda preste bem atenção… porque vamos obrigá-lo a permanecer no governo e a ter que gramar a estucha do Segurra na coligação…, nem que seja no papel de Homem Invisível… ahahahahahahahah!!!
Jamais alguém, naquele palácio, tinha ouvido Sua Excelência rir com tamanha vontade.

 

AC   

(leia o próximo capítulo: De Como O Bispo DE Portugal Ajudou na Contenção Dos Três Estandartes)