Saturday, October 19, 2013


 
 
 
 
 
 
 
 
O caso do submarino amarelo - continuação
 
 
 
De como chegou uma boa notícia ao “reino”

 

Uma chamada misteriosa

O senhor Vice PM Dantas Paulus ajeitara-se na nova e muito confortável cadeira de trabalho para dormir uma soneca, depois de um chato almoço de trabalho com dois cidadãos italianos de uma fábrica de torpedos, quando o seu chefe de gabinete lhe anunciou uma chamada do Funchal, mais propriamente das Ilhas Selvagens, anunciando a voz do outro lado do satélite ser o regente do arquipélago, Albe Jarbin, o que foi logo confirmado pela algazarra que se ouvia, ainda Sua Excelência não encostara o ouvido ao auricular.
O Vice PM ainda tentou safar-se mas o seu chefe de gabinete, com ar aterrorizado, recusou voltar a pegar no equipamento, saindo esbaforido pela porta de serviço.

«tá lá… tá lá… tá lá… atendem essa merda ou nam atendem…, estes tipos de Lesboa gostam de me fazer isperar pra mostrar que sam impertantes mas ê dou-lhes a impertância pelo rego do …ú acima…». Sua Excelência O Vice PM Dantas Paulus suou em bica, como se estivesse a orar num horto, e sendo devoto cristão perguntou a Deus Pai que pecado era o seu para ter que aturar um troglodita daquele calibre, que só diz asneiras e destila ódios. Depois, num gesto de coragem à antiga, pegou no telefone e disse: «fala o Vice PM Dantas Paulus…, faz o obséquio de dizer em que posso ser útil?».

«Fala quem?... Vice PM Dantas Paulus…, nam sei quem é…, Dantas só conheço o do “manifesto”… por sinal um bom palerma… como muitos cús há no contnente!» Sua Excelência teve que fazer um esforço sobre-humano para não se irritar com tanta boçalidade, habituado que estava a tractos delicados, punhos de renda…, até no chá das cinco habituara as tias do partido a falar sem aquele tique de subir o tom da voz no fim das frases.

Pensando ir ter algum êxito, ainda insistiu: «eu sou o novo Vice PM…, o número dois do governo…» e mais não disse porque do outro lado do satélite a voz berrante e descontrolada cortou-lhe o pio.

«Tira o cavalinho da chuva…, eu não falo com números dois…, chama aí o teu patrão… ó submarino!..., chama depressinha qu’eu já tou agarrado ao instrumento há muito tempo… e as sobretaxas pró contnente estão pelo olhos da cara… tûdo por vossa cûlpa… cambada de mafiosos e gatunos…».

Agora o Vice PM Dantas Paulus, estava vermelho que nem um pimentão, não contra atacou aquele autóctone das Ilhas Selvagens, pois o próprio selvagem (no sentido de natural dessas ilhas) lhe dera a deixa de apenas querer falar – se àqueles modos se podia chamar falar – com o Senhor PM Passos Perdido. E ainda bem… uf uf uf…  respirou de alívio Sua Excelência o Vice PM, que avançou de telefone em punho, em direcção ao gabinete do Senhor Presidente do Conselho.

Toc Toc Toc…, foram as três pancadinhas que o Vice Dantas Paulus bateu na porta do gabinete do PM, ao mesmo tempo que rodava a maçaneta e entrava.

«Entre Teresinha…, tenho que lhe ditar uma correspondência para a nossa chanceler, a tia  Merccel, sobre as tais swaps…, que nem eu, ainda, percebi bem o que são…, talvez seja conveniente passar esse assunto ao Dantas… ele que se desenrasque… e negocie com os troikanos». Ao completar o seu monólogo, enquanto remexia numa gaveta da secretária, procurou o vulto da sua chefe de gabinete mas deu de caras com o do seu Vice que entrara, como era seu hábito, sem ser pressentido. Assustou-se por demais, como se estivesse a ver um fantasma… que era a sério.

«Caramba Dantas…, entras sem bater…, sem fazer qualquer ruído… queres provocar-me um bac cardíaco?... Vinhas a correr ocupar o meu cadeirão… ou não te conhecesse de ginjeira». Aquele meio sorriso do seu Vice, que tanto irritava o Senhor PM, disse-lhe que estava a ser gozado à grande e à francesa por um tratante, ainda por cima instalado na sua residência oficial.

Pelo som agudo e oscilante – muito semelhante a uma transmissão de ondas curtas –  que saía do auricular do telefone que Dantas Paulus, de braço estendido, queria entregar ao PM, este mostrou-se desconfiado e perguntou: «mas que raio de cantilena é essa…, até parece que do lado de lá algum macaco se apoderou de um telemóvel?!».

«Sim meu senhor… é mais ou menos isso… o Albe Jarbin está na emissão e só quer falar contigo…, além de que pertence ao teu partido e não ao meu» – disse Dantas Paulus com ar de gozo, depositando o telemóvel nas mãos do PM.

O PM deu um salto no cadeirão, que com o impulso ficou cinco metros afastado da secretária, e de mãos postas suplicou ao seu Vice: «não… não por favor…, eu não posso falar com esse homem…, não quero falar com o homem…, fala tu com ele que tens jeito para urdir e tecer teias como uma aranha». Entretanto, no meio de interferências e ruídos estranhos ouviu-se uma frase nítida: «nam me digam qu’esse gajo nam tem tmates pra falar com o chefe máximo do Piéssedê (PSD) do arquipélago». E desligou…, pelo menos assim pareceu com o terminar dos ruídos estranhos.

Dantas Paulus ainda não tinha acabado de sair do  gabinete, quando Sua Excelência o PM o interpelou: «ó Dantas…, tens alguma boa notícia do Submarino Amarelo?... … ao fim e ao cabo tu já foste da Defesa… … e de submarinos percebes tu…».

A porta do gabinete de Sua Excelência o PM bateu com tal estrondo que se ouviu por toda a residência.

 

 

O Professor Merçalo investiga

 

 

A convite do Senhor DeBolikeime, o Professor Merçalo integrou a comitiva até às Ilhas Selvagens, pois ouvira contar a marinheiros da praia do Guinchôso que não havia surfondas como as das Selvagens. Poderia ser a sua oportunidade de surfar uma onda gigante, e ser catapultado para o Guiness, destronando o maluco da Nazaré. O que daria assunto para quarenta programas com a Judica Dezuza… , pois o Professor Merçalo tem essa arte de estar sempre a dizer a mesma coisa, gerando a convicção, em quem ouve, de que o assunto muda constantemente (o que é próprio de um sábio como ele).

Mas infelizmente nas Selvagens não há praias, não há ondas…, não há nada…, escrevendo com verdade, há um pássaro da família das cagarras..., apenas. E como este desgraçado animal ainda não tinha nome, foi apadrinhado pelo Senhor DeBolikeime, passando a chamar-se a cagarra portuguesa (sabemos que o bispo de Portugal também deu a sua bênção).

Depois da canseira de percorrer de lés a lés as ditas ilhas em procura das ditas ondas, o Professor Merçalo avistou ao longe um navio que se afastava cada vez mais e mais daquela terra cagarrosa, chegando à conclusão que perdera a fragata portuguesa, melhor dizendo, ficara despejado nas ilhas Selvagens.

Como homem inteligente que era e com grande poder de análise e prestidigitação, o Professor equacionou calmamente as três ajudas possíveis que podia ter:

-O Papa Francisco…, embora conhecesse o Merçalo da TVY como católico fervoroso e de bater com a mão no peito, estava fora de questão, pois Roma fica completamente fora de mão, e Sua Santidade anda assoberbado de trabalho com os escândalos da pedofilia e da corrupção no IOR (Instituto Ordem para Roubar), que lhe caíram em cima… … bom!

-O Senhor DeBolikeime, mais que certo responsável pelo seu despejo e preocupado com a União Nacional, estava a  caminho da Capital…, a fragata desaparecera há muito no horizonte marítimo…, e não volta para trás porque não há dinheiro para combustível… … cá me hei-de desenrascar… … bom!

-O Albe Jarbin, senhor absoluto do arquipélago… … bom!… bom!… bom!…, só de pensar que tinha de falar com tal personagem deu-lhe grande vontade de ir à casa de banho, em sentido figurado, e logo ali depositou uma pequena amostra do seu adubo biológico. Ainda estava naquela posição chamada de cócoras, quando sente escorregar do bolso o equipamento de que estava esquecido: o seu TELEMÓVELLLLLLL. O seu grito tarzânico ecoou pelos agrestes penhascos da ilha, ao mesmo tempo que o senhor Professor se estatelava sobre o seu detrito biológico. Muito mais importante que esse desagradável percalço, era ter na mão o telemóvel onde estava registado o número do Albe Jarbin e um satélite a bafejá-lo com rede máxima. Marcou os dígitos com algum tremelique… sentiu todas as pancadas do coração… a chamar!!!...  acelerou a respiração…

Atendeu: «alô… alô… como está o meu caro amigo?... é o Merçalo…».

 –Merçalo… Merçalo quê?... nam conheço nenhum Merçalo nas ilhas…, Rabelo?!?... o quê!!!... … o fala-barato da TVY… ó seu grandessíssimo filho da polícia…

«Ó senhor Doutor Jarbin…, aqueles ataques que às vezes lhe dirijo é tudo na brincadeira… para entreter o pagode… é preciso entreter o pagode para ajudar o rapaz do governo…».

 –Vai mas é entreter a p… da tua tia…, aconteceu-te uma desgraça?… deviam ter sido dez…, ah ah ah…, deixaram-te nas Selvagens… ó diabo tás bem f… pra nam seres espertinho…

«Peço a vossa boa vontade… … e que me envieis um barquinho de resgate e salvamento… está a pôr-se a noite e um frio do caraças». O Professor Merçalo captava um cheiro pestilento à sua volta mas o diálogo com o tal Jarbin embotava-lhe o raciocínio.

Chegara a hora de Albe Jarbin sacar o que tinha na manga: –aportaram aqui dois doidos varridos, num Submarino Amarelo, que andava em missão encriptada no Mar de Al-Kêva. Dizem que submergiram na fossa Barranquenha… por descuido do piloto automático… e emergiram aqui…, no mar do arquipélago… … de facto aqui os tenho. O Professor ouviu uma espécie de guinchos telefónicos que confirmou ser o Doutor Jarbin a rir às gargalhadas… e ainda o ouviu proclamar solenemente: –eles estão todos doidos…, … imaginem da fossa Barranquenha para o mar do arquipélago… …  ahahahahahahahahahahahahahahahahaha!!!

A seguir, com voz de grande seriedade, disse: –os do governo do contnente recusaram-se a falar comigo esta manhã…, quando lhes queria transmitir a notícia…

 

 

 

Epílogo

 

Que rica ideia…, mandar os dois heróis da descoberta do caminho marítimo para o arquipélago…, via fossa Barranquenha…, em vosso resgate e salvação… … ahahahahahahah!!!
Chama cá a Judica que fazemos o próximo programa no palácio do governo regional.

 

AC

Monday, September 02, 2013


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Seis tiros à socapa...

(um conto por AC)

 
 
O velho Sameiro, apesar da idade, era um homem alto e bem constituído e sempre o recordo de espingarda a tiracolo no meio das vinhas à sua guarda. Metia respeito e, confesso, qualquer tique e modo no seu olhar catapultavam-me para trás das calças ou saias de pessoa de confiança que estivesse por perto.
De Verão acontecia com frequência ir em passeio à vinha com a família.
Por vezes ele aparecia sem ser esperado, subitamente, e a sua “boa tarde patrão” cavernosa – as passeatas eram, invariavelmente, pela frescura dos fins de tarde – impelia-me a fugir rua da vinha abaixo, obrigando meu avô a esfalfar-se no meu encalço para conseguir deter-me antes do portão da propriedade, que já uma vez conseguira ultrapassar, indo perigosamente para a estrada.
Meditando hoje sobre o assunto, é óbvio que, então, a sua figura me era sinistra.
Dizia-se que não largava a espingarda de dia e de noite, dormindo mesmo com os dedos nos gatilhos da arma, ainda com receio de uma vingança decretada por ter matado um rapaz que fora, pela calada da noite, roubar uns cachos de uvas num dos sítios da sua jurisdição.
O ti Sameiro sustentou em tribunal ter-lhe parecido ver o rabo de uma raposa que lhe andava a devastar o galinheiro. E assim convenceu o juiz, que não o pai do desgraçado atingido por violenta chumbada que lhe sentenciou uma morte prematura, nunca justificada pelo desvio de uns reles bagos de uva, que não chegou sequer a saborear.
Esta história fazia muitos anos mas o velho guarda vinhas tinha como certo que as vinganças, quase sempre, passam de pais para filhos como um bem precioso da herança e, à cautela, não se separava do fuzil.
Ouvi uma vez alguém criticá-lo por nos receber, com despropósito, de arma a jeito: -o perigoso
instrumento ou é para caçar coelhos ou para estar em casa arrumado e fora do alcance de crianças. Ao que ele retorquiu, com a sua voz trovejante: -eu, por causa do dia de amanhã que não sei como virá e estando para aqui sozinho ao Deus dará, prefiro sentir o seu aconchego. E cá tenho os meus cuidados.
Esta conversa foi prenunciadora de um episódio que teve lugar ali pelos dias seguintes.
Um fim de tarde de Verão, ainda quente, fui numa dessas passeatas à vinha com meu avô.
As advertências, como de costume, sucederam-se em crescendo porque eu ia cinquenta metros à frente do irritado avô: -pára quieto, olha que cais, cuidado com os carros, ainda te aleijas... e por aí adiante.
Um lagarto, lagartão para o meu tamanho, cruzou a estrada, vertiginosamente, passando-me por cima das pontas dos dedos que assomavam nas sandálias, fazendo-me retroceder, assarapantado e aos gritos, para a mão segura e protectora que já não larguei. Assim chegámos à vinha.
Passada a entrada, já esquecido do susto pregado pelo réptil e contra mais meia dúzia de advertências, larguei em desenfreada correria na direcção do pequeno pinhal, plantado no termo da vinha, local muito do meu agrado para observar a passarada que ali tinha o hábito de pernoitar. No entanto, a meio da alameda que levava ao pinhal fiquei com os pés colados ao chão pela aparição assustadora do velho Sameiro que se postara à minha frente, cortando-me o caminho.
Sem saber o que fazer, olhei para trás a pedir socorro com expressão aflita desenhada no semblante, já que a língua me ficou presa ao céu-da-boca no único grito que consegui despedir. Três ou quatro pequenas gotas rolaram-me pelas pernas abaixo no preciso momento em que meu avô cumprimentava o guarda. Depois acalmei e fui espinoteando à volta dos dois homens que conversavam com entusiasmo, ignorando a minha presença.
Repentinamente os meus olhos fixaram a espingarda que já me cativara a atenção de miúdo curioso em outras idas à vinha.
–Seria ali, naquela espécie de paus com uma argola à volta, que se dariam os tiros?
A minha mão esquerda voou direita aos gatilhos e quase em simultâneo soaram dois estampidos, seguidos de grande algazarra provocada pelos gritos do velho Sameiro e de meu avô que, estatelados no chão, ainda não sabiam bem o que tinha acontecido.
O mesmo se passando comigo que fui submetido a alguns “maus tratos físicos”, depois de ter galgado o caminho de regresso a casa a uma distância bem medida de meu avô, proibido de voltar a pôr os pés na vinha, assim como de sair de casa nas horas habituais, beber pirolitos e ter acesso a livros da biblioteca itinerante que nos visitava uma vez por semana. E tudo isto até nova ordem.
Não voltei a saber do velho guarda até uma tarde que desejara ir com meu avô naquele passeio que tanto me agradava, agora anulado pelo severo castigo, e o vi chegar esbaforido a casa, encerrando-se, de imediato, com minha avó e minha mãe no escritório.
As frestas da velha porta permitiram-me observar e ouvir o ritmo e gravidade da conversa: -o ti Sameiro tinha aparecido morto junto à entrada da casa da vinha, de borco sobre um lago de sangue, com dois tiros no peito, dados pela sua própria arma.
Esta frase terrível, apanhada no meio de uma conversa com nervos à flor da pele, fez-me dar voltas ao miolo a imaginar todos os passos de um drama e visionar, num relampejo, o que teria acontecido nessa noite.
Assim…, já quase madrugada, o velho Sameiro fora acordado por um resmalhar insistente nas imediações da casa. Por dedução lógica pensara na raposa manhosa com o velho uso de lhe devastar o galinheiro, vício que os bichos desta espécie transmitem de geração em geração.
Teria mesmo dito, em surdina, para si: -a magana há-de pagá-las com dois tiros no lombo.
De trabuco em punho abrira sorrateiramente a porta de casa e, pé ante pé, fizera menção de se dirigir ao galinheiro, onde lhe parecera ver o rabo da raposa em plena orgia alimentar.
Mas nesse instante sentira-se preso pelo pescoço e pelo ventre, com tal força que não conseguia mexer-se. Depois, à sua frente, vira um vulto maior que o seu, que lhe imobilizara as mãos ao mesmo tempo que lhe arrancava a espingarda com violência.
José Sameiro ainda ouvira os estampidos dos dois tiros que lhe atingiam o peito.
A velha vingança fora cumprida.

 












Tuesday, August 13, 2013


 

O caso do submarino amarelo

 

 

De como Sua Excelência o Vice PM Dantas Paulus deu uma má notícia

AR, ano de 3013, 5ª feira, 23 de Feverónio

 

O senhor ministro de Estado e Vice PM Dantas Paulus foi chamado ao Parlatório para dar explicações à Câmara sobre o desaparecimento da jóia da armada: o submarino amarelo.
Sua Excelência apresentou-se aos deputados da Nação vestido de luto carregado, de ar consternado mas com muita coragem para enfrentar o drama.
Após os cumprimentos de protocolo, com vénias e sub-vénias, a Presidenta da AR decretou cinco minutos de silêncio, durante os quais os deputados do GR (grupo radical) aproveitaram para abandonar o hemi-círculo, pois «não estavam para aturar fantochadas», disse João Sem Medo aos órgãos da comunicação social.

 
«Srs. Deputados da Nação…, percebia-se na voz de Sua Excelência a comoção à flor da pele…,  cumpre-me informá-los da triste notícia que veio até nós do mar de Al-Kêva e que está a deixar desesperado o país…, umh umh umh…,  pigarreou o distinto personagem, enquanto se socorria de um lenço branco para aliviar o suor das frontes, da face e do queixo…, isto é, o ministério da guerra, o das finanças e o tribunal de contados.
O submarino amarelo está em parte incerta, ou não está, ou seja, desaparecido, não dando sinal de vida desde domingo passado…, temendo o governo que o pior cenário possa ter acontecido…
Como V. Exas. Todas sabem, o mar de Al-Kêva é um mar muito agitado, cheio de escolhos e engulhos, tornando a navegação por vezes problemática, com tempestuosidades de grau 9 na escala de Neptuno. Outros perigos por lá espreitam os marinheiros, mesmo de modernas e bem equipadas embarcações como o submarino amarelo…, estou a referir-me muito concretamente ao terrível e medonho monstro de Al-Kêva, também conhecido como monstro do Great Lake, ou monstro de Locsete, e à fossa Barranquenha com uma profundidade que reside no segredo dos deuses que habitam os fundos marinhos, onde qualquer navio que inadvertidamente se aproxime será sugado para nunca mais ser visto.
Com a embalagem que tomara a comunicação do Vice PM Dantas Paulus aos deputados da Nação, ele próprio deitara o olho para a bancada da oposição, questionando para si o estranho ambiente ledo e calmo com que parecia amansado o POR (partido da oposição republicana).
Eis senão quando, o chefe da bancada do dito partido interrompe Sua Excelência com um tremendo “murrásio” (vernáculo de pedir licença para interpelar alguém) na bancada propriamente dita de pau santo, o que desde logo assustou e interrompeu o douto orador, gritando a vivíssima voz: «o senhor Vice PM Dantas Paulus é um aldrabão compulsivo e descarado…, uma excrescência governativa…, o senhor esconde o submarino amarelo para as suas viagens de recreio e utiliza a mentira pérfida do seu afundamento como estratagema para enganar o país…». O senhor deputado Zorzinho estava à beira de uma apoplexia com o alarido que despoletara no Parlatório, ao ponto de a senhora Presidenta o admoestar sobre a linguagem que utilizara para se dirigir ao senhor ministro de Estado e Vice PM Dantas Paulus – «vosssa sssenhoria ressspeite a sssua cassa».
No éter fez-se silêncio…, um silêncio com cheiro a guerrilhas intestinas…, a negociatas chorudas e a CONTRAPARTIDAS pagas pelo Zé povo.
Sua Excelência também precisara daqueles minutos em que fora zurzido pelo deputado Zorzinho para pigarrear de novo, beber dois goles de água com sumo de limão, que lhe cortava o mau hálito do tabaco, e ainda limpar as frontes,  face e queixo com o lencinho branco.
«umh umh umh… O submersível…, continuou com voz de falsete…, era comandado pelo mais alto posto do nosso almirantado, o almirante de mar e guerra Vítor Caspar, profissional com as máximas condecorações do Estado e seu imediato comodoro Álvaro Santinho Parreira, ambos abnegados patriotas. Muito mais do que a perda do sofisticado material em causa, são estes dois camaradas o cerne da nossa preocupação…, não sei mesmo se a Nação suportará a sua perda… embora ainda espere, a todo o momento, uma boa notícia… a esperança, em mim, será a última a morrer.
O deputado Zorzinho não se conteve e balbuciou para o deputado Segura: «tu olha-me bem para este patife… já não o posso ouvir… ainda hoje lhe parto os costados».
Calma homem… no stress… se ele perdeu o submarino amarelo, com aqueles dois pacóvios lá dentro, amanhã também perde as eleições, isso  te (a)Seguro eu… ou não me chame Segura.
Zorzinho abanou a cabeça três vezes e suspirou meia dúzia de palavras que só ele ouviu: contigo também não há pachorra… meu…

 

 AC

(a má notícia tem seguimento com a boa notícia, isto se o Oráculo não for torpedeado e afundado em doca seca, como já esteve mais longe de acontecer).

 


 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

DE COMO O BISPO DE PORTUGAL AJUDOU NA CONTENÇÃO DOS TRÊS ESTANDARTES

 
O Senhor Presidente é um homem de muita fé. Só assim se explica porque impôs um acordo aos três Estandartes.

 
Anoitecera com uma trovoada medonha que fustigava, principalmente, a zona do palácio episcopal e D. Emanuel refugiara-se na sua capela privada, pois nessa noite sentia-se mais seguro perto do Senhor.
Ainda assim, o ferrolho da grande porta de madeira exótica fora accionado várias vezes, denotando pressa, ou ansiedade, ou aflição, de quem batera. Pudera, com uma noite como a que se desenvolvia, mais parecia andar o diabo à solta e, quem quer que fosse, estaria completamente encharcado.
D. Emanuel foi interrompido nas suas orações, para que a tormenta se fosse dali tão rápida quanto tinha vindo, pelo seu chefe de sacristia (o equivalente a chefe de gabinete de suas excelências os membros do Estado).
-Sua eminência dá-me licença que interrompa as suas orações… …apre que esta caiu no nosso pára-raios, apressou-se a dizer o chefe de sacristia, ao mesmo tempo que todo o edifício vibrava com o estrondo.
«Ó Salvador… há quantos dias cheguei a esta casa?».
Salvador fez aquela cara de menino apanhado a mexer nos chocolates: -pois é…, sua eminência…
«Deixe de me chamar sua eminência de uma vez por todas…, nas cerimónias litúrgicas e oficiais que seja… mas aqui dentro não… aqui dentro sou Emanuel…, entendeu de vez?!
-Entendi sim… …sua eminência…
«OK…, e o que há a esta hora da noite?…, o dia foi calmo e pacífico…, tirando aquela notícia dos juros a galoparem outras vez, enquanto os trastes brincam à política», perguntou D. Emanuel, denotando enfado e saturação com a casmurrice de Salvador, cónego e seu chefe de sacristia no episcopado.
-Chegou um correio do palácio do Senhor DeBolikeime, com uma mensagem urgente para sua eminênc… …para o Senhor D. Emanuel.
«Dê cá Salvador… … e pode retirar-se… boa noite».
Salvador, um coscuvilheiro nato, como há em todas as instituições…, até na Igreja Católica… … imaginem…, moveu-se em passo de caracol, não tirando os olhos de cima do envelope que entregara a D. Emanuel, na esperança deste o abrir e ele conseguir bispar alguma letra…, uma frase…, que lhe desse uma pista, um elo, para deduzir todo o conteúdo da missiva.
Assim vendia notícias esfrangalhadas o cónego Salvador, um amante de bens imóveis… e do vil metal… …sobretudo, gerando por vezes grande confusão nos media, com a desinformação que enviava para os mesmos umas horas depois.
Mas D. Emanuel não lhe deu chance e repetiu com acento tónico: «boa noite… … Salvador!».

 
A Mensagem

 Assim rezava a mensagem

Sabe-me sua Eminência  profundo cristão, assim como minha mulher Maria DeBolikeime, que muito apreciou a vossa nomeação e vinda para a capital…, em boa hora…, espero ter em vós um conselheiro e aliado fora dos canais políticos.
As trapalhices que o meu governo arranjou nas últimas semanas tiram-me o sono, passo o dia com enxaquecas só de pensar que tenho de continuar a receber o chefe do partido do Centro Social, D. Paulus, discípulo de Maquiavel…, bem pode sua Eminência ajuizar o sofrimento que me atinge o espírito…, isto é…, a alma, ao reunir e estar cara a cara com uma erva daninha.
D. Emanuel ia pensando, para si: «mas o que é que eu tenho a ver com as enxaquecas deste gajo…, … e porque não correu já com essa tropa fandanga…».
Continuava a mensagem: quanto ao mais, diz o ditado, um mal nunca vem só, e acontece que dois aviões de guerra de país desconhecido, sobrevoaram em voos rasantes as Selvagens, ilhas nossas muito amadas, onde me vou imediatamente deslocar, para morrer, caso seja necessário, pela integridade do território nacional e protecção das cagarras. Minha esposa, mulher valente que é, deve acompanhar-me…, como sempre faz para todo o lado onde vou.
Peço, pois, a sua Eminência que me receba ainda esta madrugada tempestuosa…, a partida da missão é muito cedo…, para me ungir com o sacramento da extrema-unção, assim como à restante comitiva, toda ela composta por fervorosos cristãos.
Pedindo a vossa douta atenção, e abnegado patriotismo, ainda ouso ocupar a ilustre e bem pensante cabeça de sua Eminência com outro grave problema que tenho entre mãos e para o qual peço a inestimável ajuda do episcopado, dado que não confio em mais ninguém, que não em sua Eminência. Decorrem as Tercerias da capital entre os estandartes da S. Caetano à Lapa, do Caldas e  do Rato.
«Tercerias…, onde é que eu já ouvi isto» – comentou para si D. Emanuel
Estando o nosso país como está, mais para lá do que para cá…, os rapazes do meu governo andam a brincar ao gato e ao rato, enquanto o povo vai passando ainda mais fome por causa da insensatez e intriga das demissões e das irrevogáveis folhas de papel “à quatro”.
Consegui juntá-los, nessas Tercerias, com os do Largo do Rato, o que eu julgava missão impossível. Mas já percebi que é mais do mesmo, andando todos a ver quem mais engana os seus contrários.
Sobretudo…, deve sua Eminência ter muito cuidado com esse tal D. Paulus que ao pequeno-almoço afirma não gostar de queijo e ao jantar bate meio quilo do Limiano.
D. Emanuel deu uma sonora gargalhada e disse – «chamem-lhe parvo…, só gosta do que é bom!».

 

Epílogo

De manhã veio a bonança e o cónego Salvador ainda tentou tirar nabos da púcara, enquanto tomava o café matinal com D. Emanuel, que lhe respondeu: «senhor cónego…, temos que acertar as contas dos bancos do episcopado…, porque a mim não me batem certas».

AC


 

 
 
De Como O Senhor DeBolikeime Enfrentou Os Três Estandartes

 

 

 
 
 
 
 
 
Quem vai à guerra dá e leva. Tem que ter em conta o ditado quem se mete nelas. Pensar que o adversário tem esquemas tácticos melhores que os nossos…, que as suas armas são mais sofisticadas…, ajuda-nos a pensar em mil e uma maneiras de ultrapassar os seus pontos fortes, descortinando também alguns pontos fracos…, para o levar de vencida.
Se ao contrário procedermos, descurando o opositor que temos pela frente, é avisado tomarmos a extrema-unção (só para os casos em que se é bom cristão) e deixar em ordem as disposições legais, antes de se iniciar a luta.

 
No Palácio está reunido o staff do Senhor DeBolikeime, quer os homens da casa civil, quer os da casa militar, sob a coordenação do chanceler Nuno Libertino.
«A hora é de grande constrangimento, abnegação e patriotismo, pois nunca antes o país esteve tão perto de perder a sua independência, pela mão de um traidor, um vendilhão da Pátria aos interesses dos Merkados…, esse tal D. Paulus». Assim se dirigiu aos seus homens o Senhor DeBolikeime.
E continuou:
«Na grave crise de 1385 foi fácil: cortaram-se as goelas ao Andeiro e a seguir, em Aljubarrota, desbaratou-se o exército de D. João de Castela e queimaram-se os castelhanos apanhados na fuga.
Em 1640 foi o que se viu: fartos da Filipoika, defenestrámos num ápice o Vasconcellos e com porrada da grossa acompanhámos os espanhóis até à fronteira.
Os franceses também tentaram uma françoika  por três vezes e por três vezes regressaram a Paris de França com os fundilhos das calças rasgados por cães raivosos.
Depois têm-se sucedido: vigaristas, vadios, e também jacobinos…,  e cristãos novos…, e cristãos velhos, todos se digladiando num triste espectáculo de se ver quem mais fazia cogulo… enfim… …uns corridos…, outros foragidos…, e apenas um preso – um tal Cesaltino E Morais…, lembram-se…, foi precisa uma grua para o pôr atrás das grades. E…, infelizmente…, gente da nossa…
Mas hoje esse tal D. Paulus, paladino do embuste e da maquiavelice, foi longe de mais ao rebaixar-me diante do país inteiro… e essa não lhe vou perdoar!».
Sua Excelência estava consumido, encharcando lenços e lenços que sua bondosa esposa ia passando ora pelas frontes, ora pelo rosto, ora pelas mãos, para manter o amado esposo confortável.
O seu olhar, encovado pela afronta, procurou o do seu Chanceler: «então diga-me, meu Chanceler, que planos temos para castigar o atrevimento…, atrevimento é pouco…, a traição…, que é o que é…, desse tal D. Paulus?».
O Chanceler do Estado era um homem atarracado (sem pescoço, baixo e largo) e estava mortinho por deitar a mão a D. Paulus para um ajuste de contas que se vinham somando desde os tempos do “Incandescente”, um pasquim de intriga, coscuvilhice e maledicência, que ardera de motu próprio mas que deixara feridas profundas por sarar.
-Assim é Senhor… – respondeu Nuno Libertino – temos…, à cautela com a raposa manhosa, três planos para “suspender” a D. Paulus, a saber: a cavalaria para o esmagar…, os arqueiros para o crivar… e os lanceiros para o trespassar… – o Chanceler marcou cada palavra com um tom de entusiasmado ódio. E dando risadas de hiena com fome de há três quinze dias, rematou – é o que chamam, em linguagem popularucha, “um três em um”.
«Nada disso homem…, nada disso…; o que diria o país inteiro se esquartejássemos a peça…, até o Segurra ia caminho do Caldas chorar lágrimas de crocodilo. Nada disso…, nada disso…» voltou a repetir Sua Excelência já exasperado, dando um valente murro na “mesa redonda” onde estava reunido o estado maior da tropa presidencial.
«Vamos apanhá-lo de ceroilas na mão…, vesti-lo de cima abaixo de um vexame dos grandes…, que dele se há-de lembrar até depois de morto… – ao olhar do Senhor DeBoliKeime assomou um breve sorriso maléfico – … ó Nuno…, foi esse “passarão”…, esse Judas Iscariotes…, que entregou o caso do Elvas aos media, apenas por despeito e ciumeira doentia…, porque era o outro que coordenava a “pasta” política do governo..., como você sabe o nosso PM sem o Elvas é como peixe sem água…  Isto que lhe estou a dizer está debaixo de grande sigilo…, para não agitar mais o mar…, pois a tempestade pode provocar mais náufragos». Sua Excelência falava em surdina, pois, tempos atrás, os seus apertados serviços de segurança (SS) tinham descoberto microfones de escuta em pontos estratégicos do Palácio. «Não é que eu concorde com essas licenciaturas meteoríticas em que alguns dos nossos se montaram…, mas há limites da decência e camaradagem governativa que não devem ser ultrapassados. Concorda comigo…, não concorda… óóó Nuno Libertino!?». Fez-se um breve e profundo silêncio entre Sua Excelência e o seu Chanceler do Estado que valeu mais do que mil palavras ditas a fio durante uma hora.
Depois Nuno Libertino disse: – com certeza Senhor…, certamente Senhor…, que concordo.
«Então se concorda preste bem atenção… porque vamos obrigá-lo a permanecer no governo e a ter que gramar a estucha do Segurra na coligação…, nem que seja no papel de Homem Invisível… ahahahahahahahah!!!
Jamais alguém, naquele palácio, tinha ouvido Sua Excelência rir com tamanha vontade.

 

AC   

(leia o próximo capítulo: De Como O Bispo DE Portugal Ajudou na Contenção Dos Três Estandartes)

Thursday, July 11, 2013





D. Emanuel Terceiro O InClemente

 

Não caro leitor…, não se trata de um rei – como sabe a monarquia deu o estouro com o D. Manuel Segundo – mas do recém-nomeado patriarca de Lisboa. Veio do Porto, o que me deixa alguma perplexidade, este “cara de pão sem sal”, mais bem arreado que o Papa Francisco, bem falante e mania de sabichão.
Hoje fez a primeira predica, já encadeirado, tendo na assistência Os Silvas DeBolikeime, Sua Excelência o PM Pedro Perdido e o chefe do partido Do Centro Social, D. Paulus, por ora sem título ou emprego previsível – ouve-se por aí que está vice PM.
D. Manuel ainda se paramentava quando foi avisado da presença dos três mestres do bas-fond politique, o que lhe deu a vantagem de telefonar para o Santo Pai pedindo aconselhamento teológico para o sermão inaugural.
«Xegalhes una paliza das grandes porqué eles la necessitan» – assim falou Francisco Sólo – «e mis disculpas por la confusión de lenguaje…, como he dito a Barroso, el portugués és un castellano mal hablado… e quizás pior escrito»… bzbzbzbzbzbz…
-Tá lá… tá lá… tá lá – D. Manuel queria mais conversa mas Francisco ficara com os créditos a zero – mais tarde ligo para a casa de Santa Marta para informar o Santo Pai de como correu o meu primeiro sermão aos “gentios”. E quanto ao português…, tenho que dar umas lições a este “Papa Açorda” das línguas.
-Olha que três…, olha que três… da vida airada, Cócó, Ranhito e Facada, pensou para si D. Manuel, en passant, dirigindo um abrangente sorriso à Senhora Silva DeBolikeime que retribuiu o gesto ao bispo com uma elegante genuflexão.
E de imediato ouviu uma reprimenda do esposo: «Nós primeiro que vós!?!...», isto é…, os altos dignatários do Estado só ajoelham perante DeusNossoSenhorJesusCristo…, nunca perante um badameco, acabadinho de chegar da terra dos bimbos».
D. Paulus, ouvindo sem querer o correctivo oral, não conteve uma sonora gargalhada que localizou sobre si os olhinhos indiscretos dos circundantes. E ao confrontar-se com o olhar sisudo do Senhor Silva DeBolikeime, estendeu as mãos na sua direcção com os dois polegares up, no que foi traduzido por uma daquelas frases tão ao gosto dos portugueses, nomeadamente os de DeBolikeime: «fixe meu…, estou contigo meu…, porrada neles meu… etc., etc., etc».
O Senhor Silva DeBolikeime disse qualquer coisa entre dentes que nenhum dos circundantes ouviu mas que um agente dos serviços secretos, colocado no alto do pináculo de uma nave, cometeu a proeza, e imprudência, de ler: «goza, goza meu sacripanta…, troca-tintas…, ainda antes do bater da meia-noite vou mandar-te picar em carne para spaghetti à bolonhesa e distribuir pela sopa dos mendigos».
Pedro Perdido, que estava absorto com a pose, postura e posição (???) do bispo de Portugal, não deu pelas frases entrecortadas…, nem pelos olhares circunspectos…, nem pelo ar embevecido da Senhora DeBolikeime osculando o seu marido…, isto é…, não deu por nada.

 

 

O Sermão propriamente dito

 

Vou começar esta minha primeira homilia, como vosso bispo, abençoando a todos os presentes: «In Nomine Patris Et Filii Et Spiritu Sancti».

A assembleia, em uníssono, respondeu um «Amen», que foi seguido de uma prolongada ovação de palmas e vivas. O entusiasmo da Senhora DeBolikeime era exuberante, pois deu por certo que tamanha ovação só poderia ser para “o meu marido”, palavras que ela soletra com muito cuidado – para não lhe sair “o mê maride”, como dizem as algarvias.
Sem ninguém estar à espera, D. Manuel soprou no microfone e comunicou: «chega minha gente…, isto não é nenhum comício…».
Logo os três da vida airada se perscrutaram mutuamente, com ar de desaprovação mas mantiveram a língua no saco.

«Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos,
Estão difíceis os tempos que correm para os portugueses…, muito mais para muitos, por comparação com meia dúzia dos que disfrutam de uma riqueza, por vezes, escandalosa, direi mesmo pecaminosa, aos olhos do Senhor. Isto para não empregar palavras mais acutilantes que possam ferir a susceptibilidade de quem quer que seja.
Como todos sabeis, irmãos, vim do Porto ainda não há quinze dias…, e ao que me é dado assistir nesta cidade de Lisboa? Uma trama sórdida entre politiqueiros…, sim…, repito…, politiqueiros e manhosos, que, para o seu bem e vaidade pessoais, esquecem o bem do povo e atiram com o país para a sarjeta.
D. Manuel não se conteve…, enquanto predicava as últimas frases apontava, sem qualquer equívoco, na direcção dos senhores membros do Estado.
O casal DeBolikeime entrecruzou esgares de afronta, aliviando um pouco os colarinhos engomados, pelo forte calor que se começara a sentir.
De D. Paulus nem a sombra. Ausentara-se, adivinhando o conteúdo literário da homilia, para se encontrar, ali bem perto, com um desconhecido, encarregue da preparação da próxima golpada.
Assunção Estevas, mulher descarnada e sem qualquer sentido de humor, presidenta da AN, que até então passara despercebida, disse para o PM que se encontrava a seu lado: «ressspeitai a vosssa cazza!!!».
Ao que Pedro Perdido, a rezar Pai Nossos e Avé Marias, sem fim, pelo êxito do governo no cumprimento do deficit, respondeu perguntando: «mas qual casa…, mas qual casa?…, se for a minha é em Massamá de Cima».

 

AC