Friday, November 02, 2007


Apontamentos de uma tarde de domingo:












belo - menir do Barrocal (Monsaraz)












fantástico - "pedra mãe" do menir












sem sentido...












perdoai-lhes Senhor...





Sunday, October 21, 2007



O Tricas e o "ninho do cuco"

Texto de Luis Galhardas
Ilustração de Paula Costa

Deliciava-me ouvir o cantar melódico e ritmado do Cuco, ecoando Primavera fora e Verão dentro…, como se fosse hoje, oiço o “cu-cu”... distante entrando no meu pequeno mundo e atingindo o íntimo do meu ser, em baforadas de calor e bem estar.
Sempre que os meus tímpanos eram estimulados, aí ficava bons bocados no limiar da hipnose, ouvindo a nota musical repetitiva.
O som penetrante entusiasmava-me para sonhos do belo mundo campestre que ia observando, com curiosidade e admiração, em passeatas familiares à vinha da Faia, à quinta de Santo António, ou à romaria dos Prazeres.
Tinha, assim, esta ave em grande consideração, embora nunca lhe tivesse posto a vista em cima, o que lhe emprestava uma capa de mistério.
Até ao dia em que descobri o seu carácter torpe e malfazejo, ali pelos primeiros dias de escola.
Rapidamente me apercebi que o meu companheiro de carteira, o meu amigo Tricas, era especialista em ninhos e passarada.
Certo dia em que chegara atrasado à escola, motivo suficiente para ser aviado com umas bofetadas e um grande raspanete, em frente de toda a classe, confessou-me que tinha estado a observar um ninho de Cuco, com ovos quase a tirar passarinhos.
Fiquei perdido de entusiasmo e caí de borco na rasteira que o Tricas me passava.
As palavras saltaram-me da boca, emitidas com toque quase de exigência:
– Tricas amanhã quero ir contigo ver esse ninho! Sabes, tenho ouvido muitas vezes o cantar do Cuco, mas nunca vi nenhum.
O Tricas, matreiro, deitou-me um olhar condescendente de bom amigo e garantiu:
«Amanhã irás comigo até ao ninho do Cuco. Mas, prepara-te para teres uma surpresa porque é um ninho muito especial. E, já agora, trazes umas nozes e umas passas de figo, pois o ar do campo abre-me o apetite» – sugeriu ao de leve, mas em pulgas por enfiar o dente em guloseimas raras nessa altura do ano.
Depois de uma noite agitada, em que várias vezes acordei em sobressalto distante do quarto onde dormia, o dia amanheceu sorridente e arejado, coincidindo com o meu estado de espírito irrequieto.
Uma escapadela, às escondidas, à dispensa da casa municiou-me dos frutos secos suficientes para encher o Tricas de bons propósitos a meu respeito para a investida dessa manhã.
Engolido o pequeno almoço à pressa galguei o caminho para a escola, onde já era esperado.
E lá fomos, em direcção à “cova dos ginetes”, eu à descoberta de mais uma parcela desconhecida de um mundo em que, a pouco e pouco, se iam juntando as peças do seu complicado puzzle.
«Chiiiiu…! – alertou o Tricas quando lhe perguntei se queria nozes – não fales e não faças barulho com os pés, senão ele foge. O Cuco é muito espantadiço, e depois está horas e horas sem voltar ao ninho».
Sustive a respiração no mínimo indispensável e fui repetindo os passos do meu companheiro, seguro de que o seu rasto seria o mais indicado a seguir.
Ao chegarmos às imediações da grande cova, noutros tempos uma exploração romana de minério assinalada por marco milenar, fez-me sinal para a contornar-mos pelo lado esquerdo, em direcção a uma grande árvore que logo calculei ser a anfitriã do almejado esconderijo.
Sorrateiramente o Tricas puxou-me para o seu lado, já em cima da velha amoreira e, esticando o braço, apontou para um ninho robusto, mas disfarçado, que se adivinhava em pernada inacessível.
«O Cuco está lá a chocar, não o vês?» -segredou-me mesmo em cima do ouvido, provocando-me uma comichão calafriante.
Efectivamente sobressaía qualquer coisa escura por cima do rebordo do ninho, que adivinhei ser a ave. Pûs-me em bicos de pés, com a ilusão de que veria melhor, o que me fez desequilibrar e estatelar no chão, com ruído.
Logo de seguida ouviu-se um chilrear arrepiante e um bater de asas apressado de um pássaro preto de bico amarelo que se raspou num ápice, tempo suficiente, contudo, para o identificar com precisão.
Lancei de chofre ao meu amigo:
–Oh! Tricas, aquilo era um melro preto de bico amarelo, e disso não tenho dúvidas! Soltei a exclamação ainda meio aturdido com o logro em que caíra.
O Tricas gozava o pratinho em sonoras gargalhadas e, agarrado à barriga, não precisou de articular palavra para dizer que me pregara grande partida.
De cara séria e amuado fiz tenção de regressar à escola, não sem pôr em acção a única arma que tinha para vingar o desplante:
–Fica sabendo que não vais trincar uma única noz, e muito menos passas - sentenciei.
«Espera um pouco e deixa-me explicar porque te trouxe aqui… – argumentou insinuante e fazendo-me perceber que a fruta seca, no momento, era pouco importante – …ontem descobri que tu não sabias o “segredo” do Cuco… e mesmo que o melro não se tivesse espantado, ia acabar por te contar… não leves a mal porque não tive o propósito de o fazer por tal».
–E que segredo é esse? -inquiri meio irritado ainda.
Depois o Tricas disse o que tinha a dizer:
«O Cuco é uma ave que não presta, só me dando vontade de torcer o pescoço a quantos houver. Tu andas iludido com a falinha mansa de um cantar agradável.
Mas agora ficas a saber que o “passarão”, para não ter o trabalho de construir o seu próprio ninho, vai pôr os ovos, à socapa, nos ninhos das outras aves. Estas, sem se aperceberem da intrujíce, chocam-lhe os ovos e criam-lhe os filhotes».
–Mas isso é horrível, Tricas! Queres dizer que o Cuco se aproveita do trabalho das outras aves, e logo do trabalho mais cuidado que fazem, o da criação?
Devo ter mostrado um ar de indignação e amargura tal, que ele, em posição de ataque inicial, apressou-se a intervir em defesa do Cuco:
«Espera aí, não penses tão mal do Cuco que é um animal e procede por instinto. Eu estava a falar de cor, pois não me passa pela cabeça torcer o pescoço a qualquer ave»
E rematou, em estilo de conclusão:
«O pior é que anda muita gente a imitar o Cuco, aproveitando-se do trabalho dos outros, mas com a diferença que sabem o que estão a fazer. Tenho ouvido o meu pai contar histórias dessa gente.., a quem chama um nome esquisito... penso que é “oportunística”».
De regresso à escola, peguei no embrulho das nozes e das passas e depositei-o nas mãos do Tricas, como se de um prémio ganho se tratasse.
Eu, para mim, aprendi com ele essa grande lição do reino animal.
AC

Sunday, October 07, 2007














Residência: passagem de nível com guarda...


Há dias cruzei-me com um “maltês” instalado com sua pobre trouxa, algures na quase reformada passagem de nível, esquecido, quem sabe, por comboio que ali passou, entre um tempo que não chegou e outro tempo que nunca chegará.
E assim estava: com ar cansado de longa caminhada, encostado a velha parede de casa abandonada, porventura seu último refúgio, ou cais de sua última partida.
A primeira vez que nele reparei foi num desses dias que chamam “de Natal”, época de conforto e abundância para alguns, que não para esta “pobre criatura de Deus”, há muito engrenada em calendário monótono e repetitivo de miséria.
Era um dia Invernal, em início de tarde cinzenta, com chuva miudinha e frio a penetrar até aos ossos.
A cidade mostrava-se com aura fantasmagórica, mas sempre bela como é. Olhei as torres da Sé, meu símbolo preferido do burgo, cicerones cardeais de quem chega e de quem parte, tecto deste ambiente arquitectónico deslumbrante que dá prazer, tranquilidade e gosto de aqui estar.
Dispus-me a sair para observar as velhas cúpulas que ao longe se avistam de qualquer destino. Apontando ao céu lembram foguetões em rampa de lançamento, desde há séculos com partida adiada.
Como este homem que encontrei na passagem de nível, também ele adiado por um futuro que já não lhe pertencerá.
O seu semblante espectral sobressaía da parede onde procurava, certamente, um pouco de conforto perante a intempérie.
A pele castanha escura e enrugada, misto de muitas andanças ao ar livre e sujidade, contrastava com a cor dos farrapos acinzentados que lhe cobriam o corpo.
À sua frente meia dúzia de tábuas tentavam arder, contrariado o lume pelos pingos da chuva persistente.
De vez em quando ajeitava uma lambida e negra panela de barro, cheia de coisa nenhuma, à magra lareira, terminando o movimento num gesticular de espera, dando a ilusão que a comida estava quase no ponto.
E do bolso do tabaco do casaco, que foi esticando com os anos, ia tirando uma garrafa que metia nos lábios ressequidos, para longos goles de um líquido que tresandava a aguardente rasca.
Então os seus olhos, encovados e difíceis de vislumbrar, assomavam à luz do tempo com uma réstia de brilho e de alento.
Detive a marcha…, num acenar chamativo procurei que se aproximasse…, em vão.
Há muito abandonado a si próprio perdera, com certeza, o hábito de ouvir alguém chamá-lo.
Insistindo eu, agora com ruído, assestou em mim um olhar alerta e ar amedrontado de “animal” perseguido. Sem dizer palavra, a mão esquerda moveu-se em linguagem gestual, significativa de que o deixasse em paz.
Mesmo assim, cheguei-me mais perto daquela amálgama humana que expelia um cheiro nauseabundo e indaguei: -ó patrão, vem de onde vossemecê?
Ouvi, em sobressalto, a sua voz gutural, entaramelada pelo efeito dos frequentes goles de bagaço «vai chamar patrão a outro, que eu não sou patrão, nem criado de ninguém, -acentuou- e não venho de lado nenhum, ó meu cegueta…, eu estou aqui, nesta casa que me pertence e onde sempre tenho morado».
Fiquei de momento atrapalhado, mas percebi a agressividade e não desisti do diálogo: -não queria ofendê-lo senhor..., como é o seu nome?
Olhando-me, distante, e enfiando-me uma cuspidela quase em cima dos pés, adiantou: «podes chamar-me Zé, Francisco, Inácio, ou lá o nome que tu queiras, que a mim qualquer nome me serve». Dito isto, pôs novamente o gargalo à boca, para mais uma bagaçada.
-Realmente o nome de uma pessoa não importa muito - argumentei concordante; o que interessa é o que a pessoa é… ou não é…
«Ó pá, estou a ver que me começas a perceber… -ripostou; já agora, como tens cara de bom rapaz, empresta aí duzentos paus para ir encher a garrafa…, é que o chão da casa é húmido e eu preciso de aquecer os pés».
Em lance quase de magia surripiou-me da mão a moeda que tinha tirado do bolso e lá foi, aos solavancos, a caminho da tasca da esquina.
Quando em outro dia passei, surgiu de rompante à porta de batente da taberna e, com o braço direito erguido empunhando a garrafa de aguardente rasca, gritou-me:
«Ó pá, obrigadinho…, vou bebê-la à tua saúde…, se precisares de qualquer coisa aqui me encontras… passagem de nível com guarda, 7000 Évora.
Sinceramente agradeci.
AC

Friday, October 05, 2007

A rua do arco





















































A nova geração











EXALTAÇÃO!


Évora, do Alentejo a encruzilhada,
das “vielas” e dos becos sem saída...;
o grande e terno amor da minha vida,
sobre o meu leito sempre debruçada...!


Évora uma beleza delicada
de graciosos encantos revestida;
onde todo o artista tem guarida,
por cantores e poetas exaltada!


Do antigo e etéreo “coro dos meninos”
a grandiosidade magistral
donde brotavam cânticos divinos...,


Évora, “Património Mundial”,
a cantar pela voz dos velhos sinos
da sua majestosa Catedral!...

(soneto de José Camões Galhardas)

Thursday, October 04, 2007




gosto de castelos,
de cada um em particular...,
porque são velhos e são belos...
o que é raro não é vulgar...




Convento da Flor da Rosa

Sede da ordem militar de S. João do Hospital ou dos Hospitalários, que para aqui se transferiu de Leça do Bailio, sendo então seu prior D. Álvaro Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno Álvares Pereira. (hoje tem anexa uma pousada, que ao tempo da fotografia não existia)
AC

Sunday, September 23, 2007

Fonte do Pomar do Espinheiro

Construída no séc. XVI, em propriedade pertencente ao convento do Espinheiro.
Tem motivos da arte manuelina-mudéjar.
Sítio: perto da povoação da Graça do Divor, passando a antiga estação do caminho de ferro, sentido Graça – Évora, do lado direito da estrada vê-se muito bem.
Atenção que é difícil estacionar. Sugerimos o agradável passeio de bicicleta pela ecopista, onde há sinalização do monumento.
***
Bonita fonte há no campo,
mais bonita que a da cidade;
é para quem ouve um encanto
escutar o seu belo pranto
que nos traz a saciedade.
***
A quem tem sede acode
e o calor mata nas almas,
ao rico e a quem não pode,
dá fartura a quem se acolhe
à sombra, nas tardes calmas.
AC

Sunday, September 16, 2007

Alentejo - "Sol posto"













A hora é de silêncio, ensurdecedor,
e de respeito pelo Astro
que vai descansar, em seu pudor,
longe da Noite, num outro rasto.

AC

Sunday, September 09, 2007














Mar de luz...


Os raios solares atingem, enfim, o mar, depois de uma longínqua e vertiginosa viagem, desenhando à minha frente um caminho prateado que me convida.
Ouço o som da dança das ondas, que a leve brisa sopra até mim e torna mais nítido, ao mesmo tempo que me inflama as narinas com o cheiro da maresia.
É fim de tarde na praia que conheço desde sempre.
ML toma um banho apetecível, gesticulando de longe para que a acompanhe. A brisa também transporta o seu recado: -vem …, a água está um caldo…
Por agora prefiro a companhia de Vergílio Ferreira – “aparição”. Estou embrenhado na leitura que julgava ter acontecido há muitos anos, mas tudo o que leio, ou releio, é-me presente, como se tivesse sido ontem a frénetica procura do “eu”, entre a serra beirã e a planície alentejana.
ML, delicadamente, interrompe a leitura para dizer «foi o melhor banho dos últimos vinte anos...».
Arrumo o livro no saco de praia para apreciar o mar. O Sol vai mais baixo no horizonte, no seu ritmo diário, repetitivo. O caminho de luminosidade prateada transforma-se noutro, cor de fogo. Fecho os olhos, sonho, apetece-me entrar mar adentro, percorrê-lo nessa viagem em sentido contrário. Vejo uma imensidão de estrelas sobre o mar…, o Universo!
Acordo bruscamente com a algazarra da rapaziada que joga à bola…, não se entendem quanto às regras do jogo.
Continuo a observar o mar de olhos bem abertos, até onde a visão mo permite. Barcos passam na lonjura, ou mais perto, ludibriando quem os enxerga.
A algazarra da rapaziada volta a captar-me a atenção: agora não se entendem quanto ao número de golos marcados. Um deles chuta a bola na minha direcção…, quando tento desviar-me desequilibro-me e faço uma pirueta na companhia da velha cadeira de praia.
Toca a arrumar o estojo…, são horas de procurar sossego!
(praia de S. Torpes-Set. 2007)
AC

Monday, August 27, 2007













Há um castelo no monte,
no meio de belas vinhas,
e dentro tem uma fonte
de águas mui limpinhas,
para encher as cantarinhas.

Tem uma moura encantada
essa fonte d’ água cristalina,
que é por ela derramada
desde o tempo que foi chorada...
...dizem que bela menina.

AC



Friday, August 24, 2007










Mar (a Miguel Torga)

Ó Mar sem fim...,
Mar das caravelas,
que me tens a mim
porque navego nelas.

Ó Mar oceano…,
Mar imenso...,
do navegador lusitano
a que pertenço.

O Mar, sempre o Mar
dos nossos avós…,
porque a palavra navegar
a descobrimos nós!

AC

Wednesday, August 22, 2007


Crepúsculo
Apaga-se a chama
no ocaso da vida
de quem, então, clama
uma nova guarida...
AC

Thursday, August 09, 2007











A estação da Felicidade...




Na velha estação há muito que não passa um comboio.
A azáfama dos passageiros que vão e que vêm, as últimas recomendações dos que ficam aos que partem, uma menina de franjinha, com lágrima no canto do olho, assoma a uma janela embaciada de onde vê, pela última vez, o avô, um vendedor ambulante procura despachar os últimos bolos, o homem corpulento de bigodes retorcidos e boné branco dá o sinal de partida com a corneta sibilante, um último passageiro surge em desalmada correria na gare, suando em bica com o peso da bagagem...
Nenhum dos frequentadores da velha estação tem memória de um cenário assim.
O edifício tem sido carcomido por muitos anos de abandono – janelas e portas estão definitivamente escancaradas a toda a espécie de bicharada – o nome do local, por cima da porta da gare central, ainda conserva uma letra bem composta e a erva daninha esburacou pavimentos e paredes, a seu belo prazer, fazendo das salas de espera um autentico matagal.
Ouve-se o vento que sopra frio entre postigos e não tem tempo de parar ali...
Nas traseiras do casario decadente uma pequena casa contrasta com o amontoado de ruínas e lixo – as paredes mostram a alvura que lhes é própria, fazendo evidenciar a toda a volta um rodapé azul forte e as madeiras exteriores, pintadas de cinzento, apresentam um estado de conservação impecável. Até o telhado tem aspecto de arranjo recente.
É o bar da Felicidade. Confunde-se o nome do estabelecimento, com o da respectiva patroa que atrás do balcão atende os fregueses de copo de cerveja em punho.
Quando se fixa a figura de Felicidade dois pormenores sobressaem: –os olhos, com sobrancelhas postiças que lhe dão um semblante sempre franzido, denunciam a qualquer hora do dia ou da noite uma boa dose de álcool já ingerido; –e os lábios, que ressaltam à distância devido ao batôn vermelho berrante aplicado em sucessivas camadas.
O resto do seu conjunto também tem um aspecto confrangedor, a começar pelo cabelo que mais parece uma pasta de tinta arruivada, em completo desalinho, e onde até mais de metade do comprimento se vê a cor original branca; depois a multidão de rugas semeadas por todo o rosto, as roupas de cores chocantes com nódoas que se vão sobrepondo umas às outras e, para cúmulo, esta mulher de mais de sessenta e cinco anos usa uma mini saia descarada que lhe põe à mostra umas pernas ressequidas, cheias de pêlos. E ainda ouro, muito ouro, entre anéis, pulseiras, correntes, pregadores, brincos e até um relicário, meio enfiado entre os seios avantajados, contendo a fotografia muito sumida do marido falecido há trinta anos.
Acácio vendia guloseimas e bebidas frescas nos comboios que nesse tempo andavam cheios de magalas e de passageiros anónimos que iam e que vinham à procura de vida. Felicidade também corria de comboio em comboio, sempre naquele que transportava mais soldados – ela atrás deles para se governar e eles no seu encalço para descomprimir as horas de tédio passadas semanas a fio no quartel.
Foi num desses comboios que Acácio e Felicidade se conheceram, se amaram, se entregaram definitivamente um ao outro e, de comum acordo, resolveram que era tempo de se apearem na próxima estação, fosse ela qual fosse.
Em princípio de vida montaram o bar na movimentada estação de S. Romão, um entrecruzamento ferroviário da importante linha do Sul com a de Este.
O negócio das sandes e das bifanas foi de vento em poupa. Acácio prosperou rapidamente e teria ido longe, não fosse trucidado pelo Sudexpress devido ao hábito e excesso de confiança em transpor a via férrea de um lado para o outro, naquele dia fatídico à hora de passar o Sud que não fazia escala em S. Romão. Este acidente impensável sufocou a vida arejada de Felicidade que acreditava, com fé inabalável, ter desencantado numa carruagem do Sudexpress o homem que mesmo em sonhos é difícil existir. Fora ele que, conhecendo a faceta desagradável da sua vida, pegara nela ao colo no dia do casamento, com toda a ternura que tinha dentro de si e jamais deixara de a apaparicar com a satisfação das mais pequenas vontades que lhe adivinhava.
Naquela tarde fria mas com uma luminosidade fora do habitual, Felicidade assistiu ao espectáculo macabro da recolha dos destroços do marido para o caixão depositado na gare central e pensou que no mesmo esquife seria sepultada a sua alma, precocemente arrancada do corpo por desgosto tão grande. Jurou que não voltaria a casar-se, em memória de Acácio que naqueles breves anos em comum dera à sua vida o pleno sentido do nome que ela usava desde a pia baptismal.
Os fregueses do bar da velha estação, que pululam à sua volta como abelhas em torno do mel, desconhecem as alegrias e tristezas da vida de Felicidade. Mas das misérias da velha “empresária”, consumida pelo tempo, estão a par delas como se de segredos das suas vidas se tratassem.
Alguns ainda se recordam vagamente da passagem dos comboios, do grande corrupio de gentes e da primitiva função do antro que agora frequentam assiduamente.
Os comboios foram-se atrasando e o tempo trouxe desemprego e outras calamidades. Finalmente deixaram de passar.
Mas é sabido que não foi por isso que Felicidade entregou o corpo ao álcool...

AC

Monday, July 23, 2007

Alburquerque
(raia fronteiriça Campo Maior - Ouguela)













Praça de Armas:

cepo de decapitação










escudo muçulmano











escudo português

Sunday, July 08, 2007

Thursday, June 28, 2007

O Bom Observador









À primeira vista as duas fotografias parecem ser da Anta-Capela de S. Brissos... Encontre as "pequenas diferenças" entre estes dois monumentos.

Tuesday, May 01, 2007

O Primeiro 1º de Maio


Recordo que estava calor e uma luminosidade deslumbrante…
Ouvia-se a canção do Zeca Afonso: «Maio, maduro Maio, quem te pintou…»
O fim de Abril anticipara Maio. A onda popular, sedenta de liberdade, arrastara os militares para o seu lado.
AC

Naqueles dias que se seguiram à onda avassaladora da revolução popular, passeávamos pelas ruas da Cidade, de manifestação em manifestação, apoiando e encorajando o MFA. O clímax desses dias, que passaram velozmente, tão cheios de peripécias e acontecimentos inesquecíveis eles foram, aconteceu no primeiro 1º de Maio.
Na véspera desse dia, uns tipos, que ninguém vira antes na cantina da Faculdade, apareceram por lá dizendo que pertenciam ao MRPP, movimento revolucionário verdadeiramente representativo dos camponeses e da classe operária, ao lado de quem os estudantes se deviam imediatamente colocar, juntando-se em massa na festa do 1º de Maio, dia de luta e regozijo de todos os que queriam estar sempre..., sempre ao lado do povo...
O sujeito que falava usava um bigode farfalhudo, o que me fez imediatamente associá-lo a um dos quatro camaradas afixados por tudo quanto era parede e recanto das Faculdades.
Era um fim de tarde apetecível, pulverizada de perfumes primaveris, quando me juntei ao Custódio e ao Baltazar à hora do jantar, na esplanada improvisada que os estudantes montavam à entrada da cantina da Faculdade de Ciências.
Depois de me sentar junto deles, o Baltazar – o que dominava melhor os assuntos políticos do momento – pôs o mote na conversa.
«Consta que amanhã haverá uma grande manifestação..., o MFA declarou o dia feriado...».
O Custódio riu-se para mim, à socapa, e depois argumentou com o Baltazar: «ó senhor engenheiro, feriados não deixas escapar um..., e mais um que fosse..., pois a boa vida não cansa, nem pesa...».
«Mas amanhã é mesmo o dia do trabalhador..., e dia do trabalho...», disse o Baltazar, ao mesmo tempo que encolhia os ombros com ar de irritação, «só na merda deste país era proibido festejá-lo!».
Acabámos de comer. A conversa ficou por ali, pois um grupo de colegas do género feminino, que se acomodara por perto, absorveu inteiramente a atenção do nosso amigo Baltazar.
Dei comigo a bocejar por várias vezes, morto de cansaço, de quatro ou cinco noites mal dormidas pela azáfama daquelas primeiras horas de liberdade. Anunciei que me retirava em direcção a casa. O Custódio, piscando-me o olho, ainda tentou aliciar-me: «não vás Luís..., que a noite promete...».
Prometi a mim próprio ir descansar..., «dormir uma noite como deve ser...». Arrumei as minhas coisas e fui-me encaminhando para o portão da Faculdade. Um deles gritou: «todos à Manif do 1º de Maio!»
Desci a Rua do Salitre numa correria desenfreada, pois deixara-me dormir até manhã adiantada. O som dos meus passos foi-se misturando com um ruído de fundo, compacto, que subia a rua até me atingir os tímpanos e ao mesmo tempo aumentava de intensidade com a minha deslocação. Interroguei-me, tentando adivinhar o que seria, mas nesse instante fui envolvido por um mar de gente que inundava a Avenida da Liberdade.
Nunca tinha assistido a nada igual! Uma gigantesca onda humana enxameava por toda a avenida, que ficara aguarelada com a cor dos cravos vermelhos que cada um tinha na mão.
A Revolução adoptara, definitivamente, o símbolo das flores.

Wednesday, April 25, 2007

25 DE ABRIL


Passaram 33 anos sobre o 25 de Abril, dia mágico..., inesquecível..., vivido então intensamente por um jovem estudante da Faculdade!
Recentemente fui buscar à prateleira da memória alguns apontamentos, gravados como instantâneos fotográficos e que tomaram a forma de novela – A Casa de D. Vicência – a aguardar melhores dias em ficheiro de computador. Este pequeno excerto representa um estado de alma particular desses primeiros dias de liberdade...
AC


O excesso de D. Vicência

Em casa de D. Vicência a casa de banho era uma espécie de sala de estar do início da manhã, ponto de encontro frequente de alguns hóspedes que durante o resto do dia não se viam mais. As conversas cruzavam-se enquanto um tomava duche, o outro se barbeava e um terceiro fumava um cigarro com ar ensonado e taciturno...
Nessa manhã, quase do fim de Abril, D. Vicência excedeu-se. Entrou de rompante na marquise adaptada a casa de banho, com rubor facial evidente e mão na anca, sentenciando: –ninguém sai de casa..., ...há uma revolução na tropa..., ...estão a dar a notícia a toda a hora na rádio...
Eu, que estava no duche, cobri-me com as mãos o melhor que pude e D. Vicência dirigiu-se-me com ar decidido, antes de sair: –está a esconder o quê menino?..., ...que lhe faça proveito se o quer escondidinho...
É verdade que fiquei embasbacado mas o Custódio, mal a viu de costas, fez um gesto com o dedo em direcção à cabeça e, enquanto se desmanchava a rir, ia repetindo quase sem fôlego: –a velha passou-se..., a velha passou-se...
O estudante de engenharia Baltazar Galante – o apelido não encaixava no aspecto: uma trunfa que nunca penteava, a barba um autêntico matagal e pêlos por tudo quanto era sítio do corpo – deu entrada na casa de banho depois de quase ter sido atropelado por D. Vicência. Apesar de trazer o rádio colado ao ouvido, o aparelho tinha o som no máximo, o que distorcia ora para os graves, ora para os agudos, a voz de quem transmitia as notícias.
O Custódio – com ar de incomodado – lançou-lhe um aviso com tom de ordem: –baixa isso «barbudo», que eu de manhã acordo sempre com dores de ouvidos..., ...cala esse «gajo»..., ...e põe música!
Baltazar Galante, pelo modo autoritário do Custódio, anotou que naquele sítio – a casa de banho – onde «as últimas» chegavam velozes com os primeiros raios de sol que batiam nas vidraças, a acompanhar um corrupio de entradas e saídas de gente que se queria despachar para chegar a horas às aulas, ao emprego ou à repartição e que, habitualmente, já tinha ouvido o noticiário das sete, que despejava «as primeiras do dia»..., ...sim, naquele dia de acontecimentos tão importantes mas cheios de incertezas sobre o que se iria passar nas ruas da Cidade... – um ensaio deste género, pouco tempo antes, voltara à base com a polícia no encalço – ...sim, ninguém se lembrara, nessa manhã, de ligar um rádio..., ...ninguém na casa de banho estava ao corrente do movimento da tropa nas ruas da Cidade.
–Espera aí ó Custodinho..., ...desliga mas é a coisa da tua prima que anda a trabalhar muito...; então os meninos, a fina flor da esquerda das Faculdades – gozava, deliciado – não sabem que a tropa está a tomar conta desta merda? Baltazar Galante – em vantagem uma vez na vida – estava irritado e o tom da conversa foi em crescendo até à última palavra que ecoou por todo o 4.º andar do n.º 69 da Rua do Salitre. Logo de seguida ouviu-se a voz esganiçada de Teresinha que sondava – em limpeza – nas imediações da casa de banho, para ouvir e ir contar a D. Vicência: –Jesus..., ...menino..., não seja malcrriado..., está em casa de uma senhorra sérria..., e há clientes no corredorr...
Nessa manhã não houve paródia, nem qualquer tipo de chacota, com a espionagem doméstica da zelosa Teresinha.
O nosso equívoco foi não ter compreendido o excesso de D. Vicência...
–Põe o cantante no máximo – o Custódio virou a conversa do avesso, aos berros.
A casa de banho ficou num silêncio reforçado, onde nada mais se ouviu para além do rádio de Baltazar Galante: –aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. Hoje, dia 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas consciente de que interpreta a vontade e o desejo da maioria do povo português... ... ...
A transmissão foi interrompida com um pedido de desculpas e a água que continuava a correr do chuveiro inundou-me a alma ao som do Grândola Vila Morena...
O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 e o golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História
O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 e o golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História

Monday, April 23, 2007

O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 e o golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História
O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 e o golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História

Sunday, April 22, 2007

O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 no golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História

Friday, April 20, 2007

O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 no golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História

Thursday, April 19, 2007

O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 no golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História

Wednesday, April 18, 2007

O REGIMENTO DE CAVALARIA 3 no golpe militar do 25 de Abril:
um relatório para a História (Arquivo Diário do Sul)