Monday, September 04, 2006


ENDOVÉLICO: divindade pré-latina que teve o seu máximo explendor na época romana.


No cabeço de S. Miguel da Mota, perto da Vila de Terena - Alandroal, existiu um santuário romano dedicado a Endovélico, sede de intenso culto, como se deduz de importantes documentos epigráficos chegados até nós.

"Dirigem-lhe votos os escravos, mas sobretudo um grande número de indivíduos que se apresentam à maneira romana, com os três nomes (tria nomina), ainda que é claro que alguns deles são de origem peninsular".

No material epigráfico recolhido há uma variação do nome da divindade: Endovellicus, Endovollicus, Indovellicus e, apenas em um caso, Enobolicus. Por vezez o nome é precedido do substantivo Deus e Deus Sanctus, podendo também aparecer sob a forma de abreviatura.

O significado de Endovélico tem sido objecto de diferentes interpretações, sendo de referir a de Leite de Vasconcellos, que decompõe a palavra em duas partes: a primeira corresponde ao intensivo "muito", sendo a segunda derivada da forma correspondente ao galês e bretão gwell ("bom", "melhor"), pelo que o nome significa "muito bom"; e a de A. Tovar, que relaciona o termo com a raíz beltz ("negro"), associando o significado "muito negro" à vida no além. Por esta última interpretação a divindade teria um carácter infernal, eventualmente o de condutor de almas.

Curiosamente, ali bem perto corre o ribeiro do Lucefecit, a que Afonso X, nas "Cantigas de Santa Maria", se refere como "o rio que não digo o nome". Que obscuro significado teria o rio para que o rei sábio o não mencionasse?

No entanto, Endovélico teve sobretudo um importante cunho milagroso e curandeiro, e foi nessa qualidade que atraiu a si os fiéis durante alguns séculos.

Um dos documentos epigráficos mais interessante é uma lápide em que se figura um hemiplégico (paralisia de um dos lados do corpo), a qual contém também uma inscrição ex votum (em cumprimento de voto): do paralítico a Endovélico. A hemiplegia é do lado esquerdo e admite-se que o doente tivesse sido melhorado, ou curado, por sugestão, o que leva a supor que a etiologia da doença fosse neuropsíquica.

Outros documentos epigráficos levam a concluir que o santuário teria associado um oráculo bastante consultado. Um processo usado na antiguidade para consultar as divindades era através dos sonhos. Os crentes dormiam nos templos, ou na sua proximidade. Como os sonhos eram considerados "filhos da terra", existiria perto do templo alguma "cavidade, ou "antro", onde se recebiam as inspirações do Deus. Endovélico seria, provavelmente, consultado de forma similar. Assim se explicaria a fórmula "ex imperato averno" que se lê numa ara turícrema: ENDOVELLICO SACRVM. L.T.M. ET T.M. EX IMPERATO AVERNO. A.L.F, em que a expressão "ex imperato averno" significa «segundo a determinação avernal», isto é, segundo a determinação que emanou debaixo.

Depois do Séc. V o santuário foi cristianizado, surgindo no local uma ermida cujas paredes se compunham de lápides do "templo pagão", e que tinha por orago S. Miguel Arcanjo, olhado pelos primeiros cristãos como um dos génios tutelares da medicina. AC

1 comment:

L.R.S. said...

Foi com prazer que li este e os anteriores textos, pois esta temática é de parca regularidade no ciberespaço. Parabéns pela iniciativa.