Monday, December 22, 2008

ADEUS PAI NATAL...

texto: Luis Galhardas
ilustração: Paula Costa

“...Mas o melhor do mundo são as crianças,...” (Fernando Pessoa: poema Liberdade).

Nesta época do ano recordo sempre aquele ambiente caloroso de casa de meus avós maternos, onde fui criado.
Havia sempre muita gente. Netos eram uma catrefada deles.
Depois chegavam outros familiares e amigos que vinham passar a consoada connosco.
Na cozinha havia uma grande chaminé, sempre abastecida de gigantesco madeiro que ardia durante todo o Inverno.
Era um dos meus locais preferidos nas horas de lazer daqueles dias frios, aproveitando para ir depenicando nas batatas que a nossa cozinheira ia fritando. Por vezes resmungava: «tal não está, não dou batatas fritadas!».
Foi nessa chaminé, enorme para um pequeno catraio, que dei conta da existência do Natal, palavra que jamais deixei de associar a brinquedos, e do seu actor principal, o Pai Natal, homem de compridas barbas brancas, trajado de vermelho, vindo não se sabia bem de onde.
Pela grande chaminé descia nas noites de Natal, de saco cheio, com algumas prendas que eram nossas, depositadas, no silêncio da madrugada, numa árvore decorada para o efeito, desde há muitos dias à espera.
Por vezes perdia-me em conjecturas, olhando para o cimo daquela grande “torre”, imaginando como conseguia descer o velho homem chaminé abaixo, mesmo por cima do lume, sem se queimar!
E intrigava-me, também, como era possível o idoso personagem, naquelas noites frias e escuras como breu, dar a volta ao mundo, entrando em todas as casas onde havia crianças, a deixar as suas oferendas de Natal.
Lembro-me de ter posto essa questão a meu avô que, sabiamente, me respondeu sem pestanejar: «ele tem muitos ajudantes!».
Foram-se passando os anos. Entrei para a escola.
Aprendi a ler rapidamente, mas a escrever foi o cabo dos trabalhos, pois também tive que aprender a fazê-lo com a mão direita. Felizmente a tempo de redigir a minha lista de desejos para enviar ao Pai Natal.
Aproximava-se mais uma época natalícia, começando a imaginação da criançada a labutar afanosamente sobre as surpresas com que seria contemplado cada um, na tão desejada noite de Natal.
Numa dessas conversas de escola o meu amigo Tricas, a quem ainda não ouvira formular qualquer petição, largou uma tirada que me deixou atordoado como gato caído dentro de água: «isso do Pai Natal que vocês para aí estão a falar é uma grande treta!... o Pai Natal a minha casa nunca vai, simplesmente porque não existe... não passa tudo de uma grande mentira que vos pregam».
«Irá a tua casa porque és neto da professora da escola?»- perguntou-me com desplante.
E continuou, arrasador: «quem oferece os presentes são os nossos pais…, se têm dinheiro para os comprar«.
O Pai Natal não dá nada, pelo menos a mim, que aos meus pais não lhes sobra dinheiro para brinquedos.
Eu olhava o Tricas de olhos esbugalhados, incrédulo na foiteza com que ele desafiava o velho mito.
Mesmo sendo o meu maior amigo apeteceu-me bater-lhe, furioso com a afronta dirigida a tão simpática figura do meu pequeno mundo.
Fugi do grupo, corri para casa e meti-me no canto da chaminé, pensativo: -se era verdade que o Tricas não recebia presentes, então tinha que tirar as coisas a limpo.
Naquela noite de 24 de Dezembro fui com ela fisgada para a cama.
Como era hábito, a nossa Joana foi-me deitar e ajudar nas orações da noite que eu nunca sabia de cor.
Enfiei-me de seguida nos lençóis e apagou-se a luz.
O meu quarto tinha uma janela grande que dava para a marquise, dependência da casa que nessa época festiva era cenário do Presépio e da árvore de Natal.
Tinha, assim, um belo posto de observação nocturna.
O propósito de comprovar o que o Tricas me contara provocara em mim grande espertina. Fiquei atento ao menor ruído nas imediações, se bem que prejudicada a minha audição pelo ressonar trovejante de meu avô, dormindo no quarto ao lado.
Ouvi o relógio da “casa de jantar” bater as onze horas. O meu irmão, na sua cama, dormia, desconhecendo o meu plano.
Mas eis que ouvi accionar o trinco da porta da marquise, e passos cautelosos, de um lado para o outro, denunciaram-me a presença de alguém.
De um pulo saltei da cama e estava no meu observatório.
Na marquise, com a iluminação de Natal, parecia dia.
Os meus pais e minha avó, atarefados a colocar cuidadosamente prendas e chocolates na árvore de Natal, não deram pela presença de um pequeno espião empoleirado na janela do quarto dos miúdos.
Ali estava a concertina que tinha pedido ao Pai Natal... e uma camioneta igual à da carreira...
A visão, à socapa, daquelas pequenas maravilhas cegara-me momentaneamente.
Mas logo de seguida ouvi a voz do Tricas gritar: «o Pai Natal a minha casa nunca vai!».