A Secretíssima Trindade – “o
segredo é a alma do negócio”
Dizem que Quentin Tarantino veio
a Portugal inspirar-se para o seu primeiro filme Kill Bill. A fama do SIED
(Serviço Informação E Desinformação) chegara a Hollywood e os agentes da
Secretíssima portuguesa poderiam lançar pozinhos de inspiração, quer nas cenas
de artes marciais, quer nas técnicas de disfarce e vigilância utilizadas pelo
Serviço de espiões mais hermético do globo. O próprio Serviço de Sua Majestade
Britânico MI6, sondado sobre o assunto, teria aconselhado Tarantino na aventura
portuguesa, já que o chefe da Secretíssima, George Cara de Pau, era conhecido,
no mundo do “virar do avesso a vida alheia”, como “o espião dos espiões”. Verdade, ou não,
eis um segredo guardado a sete chaves nos cofres da Informação e Desinformação
Lusa.
É velhinho o ditado: o segredo é
a alma do negócio.
Pelo sim, pelo não, o Dr. Elvas, a caminho da sede do PI (Partido da
Irmandade) onde vai ditar ao PM Passos Perdido as boas peças do emergente
governo, telefonou ao agente de segurança do seu gabinete (ainda sombra) para
que pusesse a limpo o posto de trabalho do tal George Cara de Pau, que lhe
inundara, nesse mesmo instante, o telemóvel ministerial com uma catrefada de SMS (Sofisticados Meios Secretíssimos) e
Clippings (palavrão usado na gíria da espionagem…, sem tradução, mas com o sentido de “o que
escorre é o melhor”) com nomes de mercados futuros para os serviços
secretíssimos.
O Dr. Elvas recorda-se, como é óbvio, do almocinho de negócios na sede
da Ongoering…, e da irritação que lhe assomou ao semblante quando esse Cara de
Pau o tratou por tu sem pedir, ao menos, licença. O suor encharcou-lhe o lenço
branco com que Dona Elvas enfeitara o bolso superior do casaco do marido, ao
reproduzir mentalmente a voz da esposa através do telemóvel: «…um tal agente Cara de Pau anda a espiar
Portugal inteiro»!
-Ó Jácomo…, você faça uma
revisão aos interiores do meu automóvel…, para não termos surpresas
desagradáveis com os da comunicação social, que gostam de meter os olhos e os
ouvidos onde não são chamados…, compreendeu(?)
«Sim senhor ministro»,
respondeu Jácomo assertivamente, lançando um sorriso invisível no espelho
retrovisor. Se o senhor ministro o tivesse detectado, talvez ficasse de pés e
mãos atrás com o seu motorista particular, pois o simpático e prestável Jácomo
é um agente infiltrado dos serviços secretíssimos ao serviço do seu ex chefe
George Cara de Pau.
Ao chegar a São Catano o ministro Elvas tinha à sua espera o irmão
Marcus Sinfrónio que, com a incumbência de ter uma palavrinha a sós com ele,
quase se atirava para baixo do carro de sua excelência. Valeu-lhe a perícia de
Jácomo que, mesmo assim, não ganhou para o susto.
- Ó Marcus Sinfrónio…, com tanta
notícia falsa e boato a correr por aí, só faltaria mesmo esta de o meu carro o
ter atropelado…, ou antes…, de você ter atropelado o meu carro. Por aqui também
parece que anda tudo doido. E ainda não fomos tomar posse, quero e mando com o
Cavaquinho Silverado!
«Estou nervoso…, muito nervoso…,
senhor ministro de Estado…, o estado a que as coisas estão a chegar não augura
nada de bom» - via-se que Marcus Sinfrónio estava à beira de um ataque de
nervos.
-Homem acalma-te…, tem
compostura…, o momento político requer frieza e nervos de aço…, toma lá um
comprimidinho aqui dos meus que eu hoje já tomei três – o Dr. Elvas toma
Valdispert para todo o tipo de sintomas – mas
conta como está o ambiente aqui em São Catano…, já sabidas as gracinhas daquele
tal George Cara de Pau… que ninguém conhece…
«O Passos Perdido está passado…,
melhor dizendo…, quase a passar-se…, repete que “uma barraca destas servida ao
país pelo meu ministro de Estado nº 1…, e logo com os troikanos cá outra vez…,
a espiolhar por tudo quanto é sítio…, não me faltava mais nada…, chamem o
Elvas!» E logo um coro de vozes se ouviu do interior da São Catano: “ó Elvas…, ó Elvas…”
O Dr. Elvas ainda pensou: -olha…,
estão a cantar a canção do Paco em minha homenagem!
«Em sua homenagem o tanas –
berrou o Dr. Passos Perdido em cima do nariz dum espantado Dr. Elvas – então você mete-se numa sarilhada destas…
quero dizer…, mete-nos a todos neste arroz à valenciana em véspera do
Cavaquinho Silverado nos empossar…, ó Elvas…, Elvas… ele não morre de amores
por nós…, lembre-se que o Cavaquinho partiu uma das jarras mais valiosas que
Bérrém se orgulhava de ostentar…, ainda do tempo da viagem do Vasco da Gama…,
assim que lhe comunicaram que nós tínhamos ganho o partido!!!
-Calma Senhor PM…, muita calma…,
se houve asneira, calma e cabeça fria não fazem mal a ninguém para colmatar
algum dano do lado de cá – o Dr. Elvas transparece tranquilidade, confiança
e, acima de tudo, seriedade!
«Então o que propõe o meu
ministro de Estado nº 1, como plano de ataque…, melhor dizendo, de defesa»
- os níveis de adrenalina do PM, sem dúvida, já estavam quase no seu normal, e
ao acentuar a sua posição de superioridade na irmandade com aquele “meu
ministro de Estado nº 1” bem vincado,
fez perceber ao Dr. Elvas que o Senhor PM dera uma mijadela, como um cãozinho
caniche a marcar território à porta do dono.
O ministro Elvas aproveitou, o “acto biológico” tão digno de um PM,
para fazer ouvir a sua voz de comando, lembrando a todos que a melhor defesa é
o ataque: -penso que estamos todos com
dificuldade em digerir o que não passou de um almocinho inocente com os
comandos da Ongoering; deixemos a tempestade amainar para amanhã navegarmos à
bolina até Bérrém.
«Mas ó Elvas…, não houve um gajo
da Secretíssima que te escarrapachou com umas listagens de irmãos no télélé?».
A pergunta do PM, feita com evidente despropósito, foi abafada por inteligente
intervenção de um homem do norte:
«ao ataqueeeeee…, bradou Marcus
Sinfrónio, perante o olhar atónito de todos os presentes na sala vip da São
Catano…, a melhor defesa é o ataque» – rematou firme.
Capítulo IV: Depois da bonança
a tempestade – o costume
Quase um ano de paz governativa trazia o Dr. Elvas num reboliço de
negócios, visitas e inaugurações pelos cantinhos mais recônditos da Lusitânia.
Foi precisamente num desses passeios festivos e de distribuição de
benesses aos correligionários do voto na hora, com vivas ao governo atirados
como papelinhos de Carnaval, que surgiram as primeiras nuvens no firmamento do
Dr. Elvas. O Assessor para a Vigilância e Combate aos Media (VCM) manchou
aquele banho de louvores e hinos ao senhor ministro de Estado nº 1, quando o
puxou pela manga do casaco e lhe segredou ao ouvido – o que irritava solenemente
sua excelência: «doutor…, peço desculpa…,
acabo de receber uma informação secretíssima do nosso irmão George, que também
saiu hoje no Expressamente, sobre um tal Nunes Semedão… jornalista…, que se diz
vítima de escutas telefónicas pelos SS».O ministro Elvas, embevecido com os vivas e revivas da exultante multidão, fez o comentário mais apropriado ao momento, mas revelando desconhecer as bátegas de água bem gelada que lhe iam cair em cima: -não conheço nenhum George Nunes Simão! E dito isto sacudiu o assessor, voltando à euforia da festa ao som do fandango ribatejano – “sem tens pau agarra-te ao pau…, se não tens agarra-te ao meu…”.
Só mais tarde, de regresso à capital, dormitando no banco traseiro do seu automóvel de Estado, se deu conta do recadinho que o incansável assessor lhe tentara transmitir.
Lá estava na 1ª página do Expressamente Jornal, esse fazedor de inventonas, a sua fotografia ao lado do George Cara de Pau, com o título “Irmãos da sob-loja M”.
“Car^alhoooooo”… !!! ...,
berrou o ministro Elvas em português vernáculo
que fez estremecer o interior do pesado automóvel à prova de bala em que
se faz transportar sua excelência, palavrão felizmente abolido com o novo
acordo linguístico luso- brasileiro.
-Ó assessor…, liga-me a esse
gajo para o pôr na ordem…, isto está a passar das marcas… diz-lhe que estou
possesso…, tipo demónio à solta…, ou abafa já…. imediatamente… agora… a
barraca…, ou mando triturá-lo numa daquelas enfardadeiras de Rio Maior.
George Cara de Pau, que tranquilamente dormia uma sestinha no seu
gabinete da Ongoering, acordou sobressaltado e de revólver em punho, como
qualquer espião que se presa, reagindo ao trim trim do télélé ( no caso em
questão a música do filme do James Bond 007 – live and let die).
«O senhor assessor activou-me
todas as defesas…, há três noites que
não prego olho colado ao Balsepé… já tenho algumas vinte páginas de ficheiro
com as actividades desse menino.» - o sob-espião tinha grande à vontade com
o assessor ministerial…, e o Dr. Elvas fazia-se de parvo para ir tirando
vantagem de toda a informação filtrada para o ex chefe agente toupeira pelos corre-legionários ainda activados.
«Ó Cara de Pau…, o senhor
ministro está muito…, digamos…, agastado com as notícias do Expressamente sobre
um tal jornalista Nunes Semedão… porque, ainda por cima, chaparam com a sua
fotografia (do senhor ministro de Estado nº 1) junto com a tua… em amena cavaqueira… parece… » - o assessor
engoliu em seco ao vislumbrar a expressão colérica do Dr. Elvas.
Do outro lado da antena o agente
toupeira disse um palavrão de grau 6.9 na escala de Berluscona e foi incisivo: « se o gajo está com agasturas que chupe pastilhas rennie… … e quanto à
montagem fotográfica desse pasquim dos sábados… olha ó assessor…, o gajo devia
era estar babado por aparecer ao lado de “GEORGE: O ESPIOLHÃO DO SÉCULO”!».
Foi então que o Dr. Elvas percebeu que, uns tempinhos atrás, embarcara
num almocinho com um tipo completamente doido…
AC (continua brevemente…, se a pressão atmosférica aliviar…)
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