No Pico da Fama – Col du
Tourmalet
Como o mundo é pequeno! Até na
volta à França o Dr. Elvas tem admiradores que aproveitam o calvário dos
ciclistas para lhe manifestarem o seu apreço e apoio (ao Dr. Elvas). Também eu
não pude deixar de lhe dedicar
estas breves linhas, emocionado que sou
com a diáspora lusa em terras gaulesas.
Foi um alvoroço aquela manhã no
palácio de S. Bendito, com a chamada telefónica vinda do palácio de Bérrém,
traduzida pelo assessor de línguas estrangeiras ou estrangeiradas, já que em S.
Bendito está em uso o português do acordo Luso Brasileiro e em Bérrém o costume
ainda é o português sem acordo ou seja, como dizem alguns gozões da nossa praça
literária, macarrónico.
De Bérrém estava em linha o
assessor do Presidente Cavaquinho, Nuno Libertino, que insistia em falar com
sua excelência o Senhor PM Dr. Passos Perdido, que não se encontrava na
residência oficial, repetia o assessor para os assuntos com a Presidência.
-«Nada para fazer???... …bela vida a vossa!!!... … e a economia?..., bem!... com o trapalhão do “Ovo Estrelado” é realmente difícil desemperrá-la…; e as finanças…, daí são só más notícias dadas em onda lenta pelo Vigor Gasparão…».
-Ó Nuno…, o patrão anda por aí a
cumprir agenda…, já que não há mais nada para fazer…
-Mas ó Libertino…, tens que
concordar que o vosso patrão tem arranjado boas trapalhadas… …como assim?...
…olha, a da reforma miserável que recebe… parece não dar para pagar os vestidos
da dona 1ª dama na Fátima Flopes… e a intriga das escutas aí em Bérrém, um
desajustado fait divers com alcance eleitoralista… e mais umas quantas
mesquinhices só de manga de alpaca…
Assim ia animada a conversa entre
os dois assessores quando foi anunciada a chegada, ao palácio de S. Bendito, do
senhor ministro de Estado nº 1 Dr. Gabriel Elvas.
-Bem…, não disse Bérrém…, disse bem!..., chegou o nosso 2º patrão que
entrou pela porta do padeiro para não ser apanhado pelos jornalistas…,
…emagreceu dez quilos nestes poucos dias e anda num frenesim que não sabemos
quando vai ter fim. Queres falar com ele?
– perguntou o assessor de S. Bendito, com uma vozinha que levava o timbre de
puro gozo.
«Nãooooo…, nãoooooo…, esse é o nosso grande problema… todas as
conversas aqui vão bater no mesmo… é dia e noite: o curriculum vitae do Dr.
Elvas…, o curso do Dr. Elvas…, a maldita Lusófila que não devia existir…, …pois
com as “outras duas” foi o que foi, nada disto aconteceria…, uma vergonha…, uma
vergonha…, grita a professora Cavaquinho pelos corredores do palácio…, já não
suporto mais ouvi-la».
-Sendo assim…, Nuno… como queres que faça… ou não faça?... …ele deve vir almoçar, pois sem os subsídios,
e com o controle dos cartões mais apertado, vem sempre.
«OK… liga-me logo que dê à costa…, …podes prepará-lo sobre o assunto: o
Presidente quer uma reunião urgentíssima ainda hoje… sem agenda» – Libertino
abriu assim a janela indiscreta do suspense.
F…, …trif… só faltava mais esta para nos encanzinar a tarde…,
…desabafou em voz alta o assessor oficial para os assuntos com a Presidência,
ao mesmo tempo que entrava no gabinete o senhor ministro de Estado nº 1.
«Mais algum sacana dos jornais a fazer perguntas sobre o meu
currículo?... olhe que vocês têm ordens para não abrir mais o bico… e o Passos
ainda não chegou para o almoço?...».
Foi com agrado que o assessor viu
o senhor ministro de Estado nº 1 dar meia volta e sair, batendo estrondosamente
com a porta. O assessor adivinhou que o senhor ministro de Estado nº 1 estava à
beira de um ataque de nervos…, quem não estaria…, isto é…, quem não adivinharia!?
Às 13 horas em ponto o senhor PM chegou a S. Bendito, cumprindo ao
segundo cronometrado os compromissos da sua preenchida agenda: almoço frugal
com o seu ministro de Estado nº 1, para avaliar os danos causados na esquadra
do governo pelo submarino da Lusófila. “Esta perigosa situação é preciso
encará-la de frente, admitindo que o pilar central da condução política de S.
Bendito, o seu super-ministro, foi abalroado!”
Estava a ser servida a sopa quando o assessor oficial para os assuntos
com a Presidência pediu licença para entrar e anunciou a sua excelência o PM o
contacto feito pela Presidência, a convocá-lo para uma reunião urgente sem
agenda, às 16 horas da tarde. O senhor PM e o seu ministro de Estado nº 1
perderam o apetite e ficaram a olhar um para o outro, com a sopa no prato e sem
terem nada para dizer .
Felizmente o ambiente foi desanuviado por uma canção, vinda dos lados
dos jardins do palácio, entoada por grupo de crianças que ali viera em visita
de estudo: indo eu, indo eu, a caminho de Viseu…, ai Jesus que lá vou eu.
O chefe do governo levantou-se da mesa e, com ar decidido, declarou ao
seu ministro de Estado nº 1: –vou andando…
a caminho de Viseu…, isto é..., a caminho de Bérrém… *bzzbzzbzz*!
O Presidente que às 16 horas batidas aguardava o PM, começou a mostrar
sinais de impaciência, como sejam secura de boca, humidificação das “fontes” e
um tique de deglutição em seco, constante, pelo já prolongado atraso, que não
era habitual. Para se descontrair decidiu desentorpecer as pernas andando um
pouco pelo corredor do palácio por onde devia passar o PM. Ouviu vozes e depois
no fundo oposto eis que surge a dona 1ª dama que em andamento agitado e
suspirado exclamava: “que vergonha… que
vergonha… que vergonha!” Mas logo desapareceu por uma porta corta fogo
quando o seu marido Presidente a advertiu: “ó
mulherzinha…, deixe-me trabalhar…, deixe-me trabalhar”. «Hoje andam todos com os nervos em franja»,
desabafou para si o Presidente, já farto de esperar pelo atrasado PM.
Lá de fora chega-lhe o pinóni…, pinóni de sirenes e uma chiadeira de
pneus a rapar a calçada do pátio do palácio.
“Ei-lo que chega”, pensou em
voz alta o Presidente, ao mesmo tempo que instintivamente olhou para o relógio.
«17:15!!!, exclamou irritado, uma hora e
um quarto de atraso… parece impossível… eu, no tempo do Maurio, vinha sempre
com tempo por minha conta. O comilão é que fazia grandes lancheradas… e eu
tinha que estar à seca enquanto sua excelência enchia o bandulho». Com esta
divagação por outros tempos, entrou na sala habitual de entrevistas com o PM,
onde este já se encontrava hirto e mais pálido do que um defunto com doze horas
de morto.
«O trânsito infernal…, como de
costume…» – disse o Presidente, passando a mensagem de que não iria criticar
o atraso intolerável do PM, que se desloca à Presidência a pedido desta.
-Senhor Presidente…, saiba que
tive de me deslocar, in extremis, ao Hospital Júlio de Matos, para onde o meu
ministro de Estado nº1 foi levado, acometido por um perigoso ataque de pânico.
«Ó diabo…, isto está a ficar
feio…» - balbuciou o Presidente para o seu lado direito, onde se encontrava
o assessor Nuno Libertino.
« O senhor PM não me levará a
mal… …mas no meu estado de 1ª Magistratura da Nação, tenho que lhe perguntar se
acha bem manter no governo um colecionador de trapalhadas como o seu ministro
de Estado nº 1? Eu sei que é uma situação difícil e delicada… … mas mais
delicada e difícil é a situação do país que o governo tem que levar a bom
porto…» – pressentia-se que o Dr. Passos Perdido não tinha sequer um trunfo
na manga, um ás de espadas que pudesse bater em cima da mesa para resolver a
jogada, enfim estava mesmo perdido naquele que agora lhe parecia um grande e
inóspito palácio…, …habitado por vampiros! E o Presidente continuou a falar,
como se fosse só para ele, com uma frieza draculiana.
«…ora com um “braço direito” a
esta hora deitado numa enxerga do Júlio de Matos, metido numa camisa de forças
por causa de um ataque de pânico…, deixe-me que lhe diga senhor PM, na Feira da
Ladra vai encontrar melhor estampa…» – e o calvário do senhor PM continuou,
em direcção ao seu “gólgota”…, no Col du Tourmalet
«…como sabe não perco uma etapa
da volta à França, ou não fosse eu um amante da modalidade…; …e hoje reservei
um tempinho para ver a subida ao Col du Tourmalet, aqui com o Nuno Libertino,
um ás do pedal em BTT…, …mas qual não foi o nosso espanto…, direi melhor…, o
nosso choque, quando aparece no ecrã da televisão um português, certamente, com
um grande cartaz amarelo que tinha escrito a letras garrafais: “vai estudar
Elvas”!».
Percebendo que o PM também
estava à beira de um colapso…, e para
quebrar o ambiente tenso que toldara o éter da sala, o Presidente aconselhou o
PM do modo seguinte: «mande esse tal… …
seu ministro de Estado nº 1 para Angola… vai ver que ele se vai dar bem com os
Dos Santos…, …mais depressa do que pensa arranjará outro “seu ministro de Estado
nº 1”».
E há quem diga que o Presidente não tem sentido de humor!
AC