Thursday, September 22, 2011














A matança


«Vamos a eles patrão Manuel…, vamos a eles que já estão a adivinhar para que é a banca».
António acabara de afiar as facas e o facalhão com que traçaria o destino dos porcos, em direcção ao seu mundo peculiar na salgadeira ou no fumeiro da casa.
Os condenados estavam mal encarados e de mau humor, pois tinham pressentido, de véspera, o arrumar da banca e das cordas, da balança e dos ganchos de pendura, dos utensílios de corte e de desmancho, dos alguidares, enfim…, até do horrível tijolo vermelho que lhes seria metido nos interiores do focinho, anulando uma mais que certa defesa do bácoro e abafando os seus últimos grunhidos de desespero.
«Primeiro este que já se pôs a jeito da banca», sentenciou o patrão.
O porco assustado por ver tanta gente à sua volta, com cara de poucos amigos, tinha-se posto em guarda junto à mesa do sacrifício.
“Pensou o pobre porco:  –o primeiro que se adiantar leva com as burras numa perna…, que lha furo de  lado a lado”.
Como é sabido, a luta entre homens e porcos sempre foi desigual, com vantagem para os primeiros: uma questão de cérebro, de membros superiores e de patas. Se bem que, nos interiores homens e porcos são tão semelhantes que daí nasceu o aforismo popular «se queres ver o teu corpo abre um porco».
E da curiosidade humana pelos porcos aconteceu o inevitável gosto por comê-los, tudo o “malvado” ser humano degustou nos porcos…, até os ossos!
Mais célere que o “pensamento” do porco, o António já lhe tinha laçado o pescoço, depois as patas dianteiras, o que o fez tombar, e de seguida as traseiras…, tudo tão rápido que o desgraçado porco foi içado para cima da banca, fria como uma tumba, quase sem dar por isso.
Vendo-se manietado naquele cadafalso tenebroso, deu umas grunhidelas valentes e uns safanões corajosos, na tentativa de se libertar. O tijolo vermelho, com sabor ácido e amargo, foi-lhe metido pela boca adentro, até às goelas, e depois bem atado e apertado o focinho, sua última arma defensiva, prontamente posta fora de combate.
Um dos homens aproximou-se do porco com um enorme facalhão, em direcção da barbela. É o carrasco, disso tem a certeza o infeliz suíno. E sabe que, num tudo de nada, o céu deixará de ser azul para se pintar de escuro negro como o breu.
O outro porco, vendo a tragédia à sua frente, quis pôr-se a milhas, mas seguiu o mesmo caminho: chouriços, linguiças, toucinho, presuntos…, mesmo as orelhas se comem como grande petisco.
É o destino dos porcos, de há milénios… por estas bandas.

AC

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