Wednesday, October 06, 2010

ALENTEJANOS ILUSTRES





"A Propósito" de Manuel Inácio Pestana (1924-2004)

Homem de imenso saber, da cultura, historiador, investigador, pedagogo, autor de extensa bibliografia, fundador, com Joaquim Torrinha, da revista Callipole - uma das suas paixões. Alguém com conhecimento de causa, que não eu, fará a sua biografia.
Nasceu no Alandroal, em 1924, e a sua vida decorreu entre duas terras de adopção: Portalegre e Vila Viçosa. Nesta localidade esteve longos anos ligado à Casa de Bragança, como seu Arquivista e Conservador. Foi onde tive a sorte de o conhecer, discreto mas despretensioso, afável, sempre disponível.
Ao Alandroal legou todo o seu vastíssimo espólio literário.
Aqui se publica este seu pequeno mas riquíssimo escrito sobre os vinhos do Alandroal: A FAMA DOS VINHOS DO ALANDROAL PERDIDA E NÃO RECUPERADA (publicado no jornal Diário do sul, onde era colaborador regular). Uma sua chamada de atenção, que felizmente teve eco.

Vem a talho de foice, agora que decorre em Borba a 6.ª Festa da Vinha e do Vinho e se presta homenagem à excelente qualidade deste produto e se evidencia a importância da actividade vitivinícola da região na economia nacional, vem a propósito – dizíamos – recordar o que foi a produção de vinho e a cultura da vinha no termo alandroalense.
A fama dos vinhos do Alandroal remonta aos tempos medievais da formação da nacionalidade, pois já D. Dinis preferia para a sua adega real – segundo lemos na “História de Portugal” de Damião de Peres – os vinhos de Lisboa e os do Alandroal, assim como aquele “bom vinho vermelho e branco” de que a administração municipal do Porto mandou encher dois odres para oferecer a um legado pontifício que em 1390 passou por aquela cidade. Afirmava-se ainda a qualidade excepcional dos famosos vinhos do Douro e dos arredores de Lisboa, talvez os de Carcavelos, Bucelas e Colares. A par destes sobressai então o vinho alentejano do Alandroal, com tais razões se tornou afamado que já o Mestre de Avis Martim de Avelar (1364) inventariava uma importante adega nesta vila nos seguintes termos:
“Uma adega em que estão dez talhas de vinho branco cheias e três cheias de rosete e oito de vinho vermelho;  “as cinco de bom vinho e três de mau, e duas talhas quebradas a uma tinha [tina] e um cocho [tabuleiro] de pisar tinta.
“Está uma talha de vinho na adega de João dos Passos e o vinho é do mestre e a talha de alquiel, [aluguer] e o vinho é furmigento.
“Está uma cuba na adega de Madriana Martins e o vinho do Mestre […]”.
E ainda no séc. XVIII (1756), quando os moradores de Borba, já então região privilegiada de produção vinícola, reclamam a defesa dos seus vinhos perante o incremento do plantio de vinhas nos termos vizinhos, citam-se, além de Elvas, Olivença, Campo Maior e Estremoz, precisamente o Alandroal.
Cremos que a quantidade de produção e a qualidade destes vinhos se mantiveram por largo tempo, até ao ponto de encontrarmos o registo de uma significativa representação deles na grande Exposição Portuguesa realizada em Lisboa em 1888.
Estávamos ainda no período da chamada “Revolução Verde” que desde os meados do século se caracterizara por um aumento da produtividade agrícola no país, em que, embora diminuindo a produção de trigo por força da concorrência americana aumentava a do milho e proporcionou o incremento do plantio de vinhas em substituição das searas. Por outro lado, a filoxera já dominava a Europa, de modo que em Portugal as perspectivas de exportação de vinho anunciavam-se promissoras. A crise viria atingir Portugal mas só em 1890 e daí em diante, a filoxera responsável também mais adiante: ”Entretanto, como dizíamos, o Alentejo e nele o Alandroal produziam cada vez mais e melhor vinho. Temos então, para remate desta notícia, que na referida exposição agrícola do Alandroal se apresentaram com os seus vinhos os seguintes produtores: António Joaquim Barbas e António José Biga, Joaquim José Fernandes e José Mariano Carvallho Faleiro – que eram os maiores produtores do concelho – e ainda António José Neves, Bárbara Luísa Matroco, Catarina Rita Cordeiro (Monte dos Pobres), Emídio José Simões, Fortunato José da Fonseca, José Madeira da Silveira Belo, José Joaquim Mendes, José Pedro Galhardas, Martinho José Galhardas, Joaquim Diogo Morte e Joaquim Lopes Godinho. Apresentaram vinhos tintos, brancos e licorosos (A. J. Biga) Aguardentes (A.J. Biga, E. J. Simões, F. Fonseca e J.J. Fernandes).
As quantidades de produção anual de alguns destes vinicultores alandroalenses superavam de longe as de qualquer outro dos muitos expositores do nosso distrito, o que vem demonstrar como na realidade eram de fama os vinhos desta terra, hoje perdida reduzida que, após a doença das vinhas, se tornou encaminhada a produção para as cooperativas da região, quando, historicamente pelo menos, se justificaria hoje a existência no Alandroal da sede uma região vinícola incrementada como me parece tem vindo a ser a plantação de vinhas no concelho.
Por tudo quanto fica dito, não merecia o Alandroal a homenagem dos actuais industriais da produção vinícola desta região, lembrando o seu nome numa das marcas comercializáveis?



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