Wednesday, July 30, 2008







Paisagem...

Texto:Luis Galhardas
Ilustração: Paula Costa


O Alentejo escalda como nunca.
O ar quente seca gargantas já desabituadas destas temperaturas e os grilos nas tocas emudecem esperando, em vão, dias mais amenos.
Uma máquina agrícola corta um trigo pouco promissor, lançando à sua volta uma poeirada de palha solta.
A erva de há poucos dias deu lugar a pasto seco que cobre de amarelo tórrido a planura ondulada, exibindo à memória telas de Van Gogh.
Animais arrastam-se penosamente procurando uma fonte, uma sombra que os ajude a transpor a barreira de mais um dia.
Um cão vigia de longe, com um palmo de língua de fora.
Do moiral nem sinais, que não há chapéu que pare este sol abrasador.
“Venham bulir neste Alentejo que destila fogo, um dia que seja!”
Mais além a miragem de um oásis. Uma horta, um milagre na charneca ardente, onde o verde faz lembrar outra estação, palácio da passarada que depois de depenicar na fruta aproveita para se refazer da calma.
Junto a um poço dois miúdos, perdidos nesse espaço imenso, chapinham com entusiasmo no caldo que preenche o bebedoiro do gado. Aproximo-me. Riem-se, divertidos, não me sentem chegar.
Gozo também a brincadeira de atirarem água um ao outro, corpos nus despedindo gargalhadas de prazer. Hesito em anunciar a minha presença. Por fim dou uma tossidela que não ouvem, de tal modo estão absortos na pândega.
Invejo-lhes a inocência, a graça gestual, os sorrisos escancarados, o estado de alma doce, tudo a condizer com o seu pequeno mundo.
Quero ser um deles, tocar aquela água que limpa a carne e tempera do calor como se do mar oceano se tratasse.
Esqueço-me, em sonhos com outros tempos que me despertam esse desejo, e eles continuam a ignorar-me, entretidos em combinações de proezas infantis.
-Chico, vamos a ver quem é capaz de estar mais tempo com a cabeça debaixo d’ água, -diz um deles, deixando vir à tona um insuspeito semblante de malícia.
O Chico ainda duvida aceitar a competição: «eu respiro mal pelo nariz», contrapõe com santa ingenuidade, obrigando-me a conter a respiração para não me rir e ser denunciado.
O Tónho, assim se chama o outro catraio, nitidamente mais batido em pequenas trapaças, mantém e argumenta a proposta: -olha lá Chico, debaixo d’ água só os peixes é que respiram!...
...o meu desafio é precisamente o contrário: ver qual de nós aguenta mais tempo sem respirar, metendo a cabeça na água.... enchemos o peito de ar, contemos a respiração, e vemos qual de nós lá consegue estar mais tempo.
O Chico, receoso do alvitre, ainda levanta mais uma questão: «e como contamos o tempo se não temos relógio?».
-É simples meu medricas – a palavra sai dos lábios do Tónho com tom incentivador – fazemos à vez e o que fica de fora vai contando até cinquenta...
Repetem a cena enquanto o fôlego do Chico resiste, nunca topando este que o Tónho tem escondida uma palhinha retorcida, metida habilmente no canto da boca...
...nem dão por ser espiados pelo desconhecido que deliciado os observa.
Dali arrancam repentinamente, gritando em uníssono: -vamos a ver quem chega primeiro ao monte!

... e lá vão galgando cabeços, como penas soltas batidas pelo vento ...

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